Na contemporaneidade, muito tem se falado sobre o Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), que, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), caracteriza-se por um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade-impulsividade, que acaba influenciando de forma significativa o modo como o ser se relaciona com o mundo, consigo mesmo e com os outros.
Para abordar o assunto, nossa reportagem conversou com a psicóloga da Clínica Casah, Lorena de Azevedo Gomes, Mestranda em Cognição e Linguagem (UENF) e Pesquisadora no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Psicologia, Fenomenologia e Filosofias da Existência (NEPPFFE). Ela afirma que o fenômeno surge ainda na infância, podendo perdurar na vida adulta. “Existem três modos de manifestação do TDAH: o primeiro caracteriza-se predominantemente pela desatenção; o segundo caracteriza-se predominantemente pela hiperatividade/impulsividade; e o terceiro é marcado tanto pela desatenção quanto pela hiperatividade/impulsividade, ou seja, de forma combinada ou mista. É relevante elucidar que, embora seja utilizada a palavra ‘desatenção’, o que acontece não é bem uma ausência ou falta de atenção, mas sim um hiperfoco, isto é, um direcionamento dessa função cognitiva complexa para trabalhos mais intensos, desafiadores, prazerosos e novos a partir de uma extrema concentração diante de uma tarefa ou assunto. Nesse sentido, o hiperfoco permite que pessoas com TDAH tenham graus maiores de atenção para o desempenho de determinados afazeres do que quem não tem TDAH”, diz Lorena de Azevedo Gomes. “Todavia, se para quem não vivencia o transtorno já é desgastante lidar com trabalhos mais burocráticos, repetitivos e não muito atrativos, imagine para quem o vivencia?”.
Tais afazeres, segundo a psicóloga, podem ser um desafio enorme para este público, podendo gerar até desconfortos físicos, como dor de cabeça. “Em adolescentes mais velhos e adultos (17 anos ou mais), observa-se frequentemente sintomas como dificuldade em manter a atenção em tarefas, atividades lúdicas e detalhes importantes, parecer estar com a cabeça longe mesmo na ausência de qualquer distração óbvia, começar uma tarefa mas rapidamente perder o foco e não concluí-la, dificuldade em manter as coisas organizadas, dificuldade em gerenciar o tempo e cumprir prazos, dificuldade em se envolver com tarefas que exijam esforço mental prolongado, facilidade para perder objetos importantes, facilidade para se distrair diante de estímulos externos e facilidade para esquecer compromissos que estão sob sua responsabilidade. Na clínica fenomenológica, compreende-se que toda consciência é consciência de alguma coisa, nesse sentido, a possível compreensão da atenção como uma parada intencional frente a algo que aparece à consciência implica em uma consciência constituída pelo foco na atenção ao objeto percebido, o que no TDAH acontece no hiperfoco de forma intensa e em outras atividades do cotidiano de forma instável e em uma intensidade reduzida. Assim, percebe-se que a atenção requer certa quietude, parada, repouso para reflexão e contemplação dos objetos externos e internos, de modo que eles sejam assimilados de forma mais detalhada e aprofundada, o que, durante os momentos de desatenção, como por exemplo a inquietação física e a alta velocidade de pensamentos, pode não acontecer, visto que esses objetos acabam passando despercebidos como um vulto, sem forma, sem cor, sem textura, sem cheiro, sem sabor e sem consistência”.
Já a hiperatividade, de acordo com a psicóloga, manifesta-se a partir de uma inquietação física, em que a pessoa se sente mais confortável em se manter em movimento do que parada, enquanto a impulsividade é expressa diante da dificuldade em sustentar a espera, mesmo que seja para a obtenção de coisas prazerosas. “É como se os pensamentos e comportamentos estivessem de modo constante na velocidade 2x”, alertou.
Na próxima edição, a psicóloga trará mais detalhes importantes sobre o assunto.