O que antes parecia subjetivo agora se tornou realidade: o Brasil vive, de fato, um cenário alarmante para a saúde mental. Entre 2014 e 2024, o número de afastamentos por transtornos mentais bateu recorde no país, saindo de 221.721 para 472.328 casos, conforme estatísticas do Ministério da Previdência Social obtidas pelo G1. Além de ter mais do que dobrado em uma década, o número atual chega a quase meio milhão de afastamentos causados por episódios depressivos, transtornos de ansiedade, estresse e outras condições de ordem mental.
Para tentar reverter essa realidade, o Ministério do Trabalho divulgou a atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que estabelece diretrizes para a saúde no ambiente de trabalho. Agora, o ministério passa a incluir a fiscalização dos riscos psicossociais na gestão de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). Isso significa que as empresas poderão ser multadas caso sejam identificadas situações como metas excessivas, jornadas prolongadas, falta de suporte, assédio moral, conflitos interpessoais, baixa autonomia ou condições precárias de trabalho.
Resta saber, no entanto, como a medida repercutirá na prática, já que o órgão não detalhou como pretende estruturar a fiscalização para abarcar essa nova demanda. Isso traz questionamentos sobre a efetividade da iniciativa na proteção dos trabalhadores em risco, especialmente considerando a complexidade de identificar esses problemas, que muitas vezes esbarram em uma série de fatores pessoais e interpessoais de cada indivíduo. É o que nos conta o médico psiquiatra Dr. Leonardo Bacelar, Diretor da Clínica Proteus, que é referência em medicina ocupacional e engenharia de segurança do trabalho.
“A partir de maio de 2025, a NR-1 passa a incluir a avaliação de riscos psicossociais no ambiente de trabalho, envolvendo todos os trabalhadores. Isso, no entanto, tem gerado muitas dúvidas entre as empresas. Afinal, para alguns setores, essa temática é uma novidade, além de trazer questionamentos sobre como identificar e quantificar os riscos ao trabalhador de forma segura e eficaz”, conta Dr. Leonardo. “Enquanto em alguns grupos de trabalhadores isso pode ser relativamente simples, em outros pode se tornar um grande desafio. Trata-se de um tema complexo e que, sem dúvidas, ganhará ampla repercussão este ano”, acrescentou.
Um dos grandes impasses, segundo Dr. Leonardo, está na identificação de cada episódio. “É importante a gente distinguir o que realmente se origina no trabalho e o que vem de fatores externos. Uma situação bastante frequente é observar pessoas enfrentando problemas pessoais, como questões familiares e sociais, que não têm origem no trabalho, mas podem ser agravados por ele. A avaliação psicossocial, então, precisaria levar isso em conta, mas ainda há incertezas sobre como será feito. Quem ficará responsável por essa análise? Um psicólogo, um psiquiatra, um médico especializado ou um engenheiro de segurança? Como será a conduta no dia a dia? Essas questões ainda estão em aberto e devem ser esclarecidas ao longo do processo”, disse.
Em nossa região, duas áreas com histórico significativo de afastamentos por questões relacionadas à saúde mental são o setor bancário e o mercado offshore, onde muitos trabalhadores enfrentam problemas devido ao cumprimento de metas ou longos períodos afastados do lar. Mas, independentemente da área de atuação, é importante também as empresas investirem em treinamento de liderança para detectar problemas no início, como ressalta Dr. Leonardo. “Companhias maiores já se preocupam com essa questão, tendo mecanismos para acompanhar os funcionários. Até porque a avaliação biopsicossocial, como o próprio nome diz, envolve todo o sistema. É preciso entender também o trabalhador, não só o lado corporativo, para oferecer apoio quando necessário. Muitas vezes, porém, a empresa não sabe o que está acontecendo, porque o funcionário não comunica. Implementar ferramentas para melhorar essa comunicação, portanto, é uma estratégia bastante eficaz. Até porque estamos falando de saúde mental – e quanto mais cedo diagnosticarmos o problema, melhor”.