(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Sthevo Damaceno

Pelos olhos de quem nos lê

Quem nutre o gosto pela literatura, ou simplesmente costuma visitar livrarias, já deve ter reparado em um livro que, com frequência, chama a atenção de muitos leitores ao bater o olho nas estantes: trata-se de “2666”, do escritor chileno Roberto Bolaño. A trama é repleta de camadas, mas uma delas chamou a atenção do crítico de cinema Rogério Júnior, que trouxe um insight interessante sobre a obra – e que simboliza bastante o assunto a ser tratado nesta coluna.

O motivo é que, no início de “2666”, vemos a história de quatro professores universitários, que vivem em países diferentes, mas se unem para encontrar um obscuro autor alemão, chamado Benno von Archimboldi, sobre o qual pouco se tem notícia. Mas, além de funcionar como um ponto de partida para a trama, esse grupo de acadêmicos, de certa forma, também simboliza os diferentes tipos de leitura possíveis, já que, ao longo da narrativa, todos eles apresentam posturas conflitantes em relação ao autor germânico.

Enquanto um dos professores relê à exaustão os livros de Archimboldi, por exemplo, outro prefere entremear sua leitura com passeios turísticos, em perene estado de distração. O terceiro professor acaba sendo dúbio em seu ritmo de leitura, enquanto a última, uma professora inglesa, simplesmente passa a ignorar a busca pelo autor. Todo esse movimento não deixa de ser – como lembra Rogério – uma forma de Bolaño perguntar a todos nós: qual desses leitores vocês serão ao longo de “2666”? O apaixonado? O indiferente? O distraído? Seria possível, assim, definir um só tipo de leitor diante de um texto?

O insight trazido por Rogério imediatamente me remeteu às conversas que tive com diferentes interlocutores ao prepararmos esta edição de aniversário do Mania de Saúde, que completa 34 anos. Afinal, para usar a metáfora bolañesca, nós também notamos uma pluralidade enorme de leitores ao longo de mais de três décadas de existência: os que se interessam por temas específicos, os que elogiam os colunistas, os que abrem o jornal para ir direto às sociais, os que costumam tratar o mensário como uma fonte de informação, os que o veem somente como um guia médico, os que folheiam em consultórios para entreter-se, enquanto outros levam um exemplar para casa como uma das leituras prediletas do mês – e por aí vai.

Isso mostra que são vários tipos de personalidades, histórias e temperamentos que dão cor e vida a este jornal todos os meses, com a diferença de que não são personagens, mas sim pessoas de carne e osso, que nos param na rua para um cumprimento, deixam mensagens afetuosas pelas redes sociais, comentam matérias recentes ou até mesmo histórias antigas relacionadas ao jornal. Esse movimento, por si só, já é suficiente para entender por que o Mania de Saúde se tornou um fenômeno de popularidade desde que foi lançado, em 1991, quando inaugurou uma relação de carinho e confiança que se mantém viva até hoje com nossos leitores – e que, decerto, simboliza toda sua razão de existir.

Não sei como Roberto Bolaño se sentiu ao terminar as quase 900 páginas de seu famoso “2666”, mas, ao lembrar a alegria que o nosso fundador, Sylvio Muniz, exibia ao chegar a mais recente edição do Mania de Saúde, desconfio de que compartilhava com ele uma sensação talvez comum a todo criador: a certeza de que sua obra nunca se resume apenas ao que está escrito, mas sim ao que provoca em quem lê.

E é também por tudo o que vocês têm despertado em nós ao longo de 34 anos – com cada gesto, sugestão, mensagem ou simplesmente um aceno de carinho – que deixo aqui, em nome de todo o time Mania de Saúde, o nosso mais sincero agradecimento.