(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Sthevo Damaceno

Um encontro inesperado

Eis que vejo a notícia de que o navio petroleiro Olavo Bilac apresentou um problema no leme ao realizar uma manobra no Porto de Santos, no dia 13 de março. Desgovernado, acabou colidindo com o píer da Marinha do Brasil. Um oficial da corporação estava no local no momento da batida e, por isso, sofreu escoriações leves na perna – uma boa notícia, já que o desfecho poderia ter sido muito pior. Basta citar que Olavo Bilac causou danos em três outras embarcações atracadas no porto: os navios Guajará, Guaporé e Maracanã, conforme informou o G1.

O caso, em si, é inusitado, mas fica ainda mais curioso pelo nome do poeta, o carioca Olavo Bilac. Sim, aquele mesmo, que ouvia estrelas, pálido de espanto… Um cronista mais jocoso, inclusive, poderia dizer que o operador do navio apenas cumprira a sina do poeta: atentara-se demais aos astros a ponto de perder a direção do leme… Mais avesso ao chiste, contudo, o que me espanta é o fato de o poeta dar nome a um navio – e esse nome evocar tantas percepções distintas, a depender do interlocutor.

Afinal, no tempo de Machado de Assis, ou seja, em priscas eras, Bilac era uma sumidade nacional. Figura prestigiada da belle époque, presença habitué na imprensa (substituíra o próprio Machado no jornal Gazeta de Notícias), autor do Hino à Bandeira (salve lindo pendão da esperança, salve símbolo augusto da paz!), sendo um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras e um dos grandes conferencistas de sua época, Bilac era louvado em prosa e verso como um sujeito magnânimo, um dos “príncipes dos poetas brasileiros”, o grande representante do parnasianismo, a ponto de seu nome, de fato, ser digno de figurar em aço e bronze como nenhum outro. Viria daí a homenagem naval, talvez?

Não sei, mas acho curioso que, hoje, dependendo do ponto de vista, Bilac pode soar o extremo oposto. Como, quem sabe, aquele clássico estudante de ensino médio, deparando-se com o poeta em alguma questão de vestibular, sentindo o tédio de um vocabulário talvez pomposo ou hermético demais e, em silêncio, acabar rindo da figura antiquada portando óculos sem aros, como uma efígie de moeda. Ou mesmo aquele professor para quem Bilac é apenas uma figura respeitável, um importante nome da literatura brasileira, mas que, no fundo, não vai muito além disso: uma persona meramente enciclopédica e sem grandes transcendências, a ser repassada para os alunos de forma pouco vivaz, livre de mistificações.

(Essa paleta literária ganha uma tonalidade ainda mais curiosa se lembrarmos como Carlos Drummond de Andrade vergara-se a Bilac ao fim da vida, elogiando-o em algumas resenhas de livro – logo Drummond, que passara a vida desfazendo-se do grande poeta parnasiano… Ou até mesmo figuras como Di Cavalcanti, que, embora não admirasse Bilac como poeta, via nele “um carioca floral, cheio de magnetismo sensual”, segundo revelou Ruy Castro em seu livro sobre a belle époque carioca).

Qual seria, então, o verdadeiro Bilac? Talvez Di Cavalcanti tenha sido quem mais se aproximou de uma possível resposta, vendo o poeta como um sujeito vívido, muito mais vívido do que a figura eternizada em livros didáticos. Alguém que, apesar do pedestal onde o puseram, nunca perdeu de vista o ser humano em toda sua complexidade. Até porque, em vez do romantismo abstrato de seus antecessores, Bilac foi muito mais terreno, sabendo que “mais eleva o coração de um homem ficar na terra e, na maior pureza, humanamente amar”.