(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Sthevo Damaceno

Brain rot

Brain rotEis que o famoso Dicionário Oxford divulgou a expressão mais buscada em língua inglesa ao longo de 2024. Trata-se de “brain rot”, traduzido em português como podridão cerebral. O verbete faz referência ao estado cognitivo de pessoas que absorvem conteúdos de baixa complexidade na internet e nas redes sociais, tendo registrado um aumento de 230% no volume de buscas ao longo do último ano.

Mas, embora seja entendida como algo novo, a expressão é, na verdade, mais antiga do que parece: a primeira menção a “brain rot” foi feita por Henry David Thoreau, no clássico “Walden ou A Vida nos Bosques”, de 1854, onde o escritor narra a experiência do seu retiro em uma cabana às margens do lago Walden, em Massachusetts. Foi ali que Thoreau decidiu experimentar uma vida minimalista, completamente isolado das pessoas, fazendo um retiro que proporcionou grandes reflexões sobre a vida e sobre a própria sociedade.

Como todas as notícias envolvendo livros geralmente resultam em um aumento no número de vendas, é provável que “Walden” já esteja sendo requisitado nas livrarias lá fora, sobretudo pela chamada “Geração Z”, na qual o termo “brain rot” causou rebuliço e interesse. No Brasil, fenômenos desse tipo já se tornaram frequentes, como exemplifica a atual repercussão em torno de Machado de Assis e Gabriel García Márquez, devido à chegada de “Memórias Póstumas de Brás Cubas” ao mercado inglês e à estreia de “Cem Anos de Solidão” na Netflix.

Trata-se de um cenário bastante positivo, aliás, se considerarmos que o país registrou uma queda no número de leitores, conforme a mais recente edição da pesquisa Retratos da Leitura, feita pelo Instituto Pró-Livro (IPL). Segundo os pesquisadores, 53% dos entrevistados não leram nem mesmo parte de uma obra nos três meses anteriores à pesquisa, seja ela física ou digital. Isso significa que a maioria dos brasileiros não leem livros, conforme ressaltou o instituto.

Ainda assim, é possível fazer um contraponto, já que pesquisas nem sempre espelham a realidade. Afinal, foram apenas 5.504 pessoas entrevistadas pelo IPL, que rodou por 208 municípios, entre 30 de abril e 31 de julho de 2024. Se observarmos plataformas como o Clube de Literatura Clássica, por exemplo (que tem mais de 15 mil assinantes recebendo livros mensalmente em todo o país), ou mesmo a quantidade de influencers literários com seus vários clubes de leitura, é possível questionar esse alarmismo – embora ele tenha um pé na realidade.
Há poucas semanas, por exemplo, a produtora de conteúdo Ana Júlia Barros fez um vídeo entrevistando pessoas aleatórias em seu canal na internet, a fim de saber quantos títulos leram em 2024. A maioria revelou ter lido 27, 34, 60 e 80 obras no ano – o que relativiza a ideia equivocada de que ninguém mais lê ou lê pouco. Outro caso expressivo é o da booktuber Tatiana Feltrin, que tem 159 mil seguidores e alcança um enorme sucesso com seu clube de leitura, voltado para os grandes clássicos nacionais e internacionais. Ou seja: apesar da projeção negativa do Instituto Pró-Livro, existem nichos importantes – e numerosos – que vêm difundindo a leitura e formando novos leitores no país.

Sendo assim, onde estaria a verdade, então? Difícil saber. Mas, enquanto ela não aparece, o que nos resta é deixar as falsas verdades de lado. Nas horas livres, o ideal a se fazer é se embebedar da mais alta literatura, a fim de digerir um pouco melhor nossa própria existência, completando até a borda a estranha xícara da vida – que, embora sem uso, como diz o Drummond, está sempre nos espiando do aparador.