Tenho uma reverência obsessiva pela figura do professor. Qualquer professor. Lembro-me, por exemplo, das muitas vezes em que revisitei minha antiga escola para reencontrar os mestres que ali exerciam seu ofício. Era interessante vê-los felizes por conta da visita, pois eles mal notavam que a gratidão maior, de fato, era a minha, pelo tanto que fizeram por nós.
Essa reverência, contudo, parece ter se potencializado com a chegada à faculdade, não apenas pelo volume de informações novas, mas, sobretudo, pelo fato de os professores ali presentes, dentro de poucos anos, tornarem-se colegas de profissão. Foi um paradoxo: como tratar com igualdade quem tudo nos ensinava?
Isso ficou ainda mais claro quando resolvi participar de um processo seletivo para jornalista, logo depois de formado. Ao chegar ao local da prova, deparei-me com ninguém menos que o jornalista e professor Vitor Menezes, que também se inscrevera para a vaga. Foi o suficiente para antever a derrota. Afinal, era impossível competir com quem havia sido meu próprio orientador na conclusão do curso. Em suma, nem levei a prova a sério. O niilismo caiu sobre mim como um raio, parafraseando Bandeira. Grande, Menezes!
Mas nem tudo era malogro, evidentemente… A propósito, bastou lembrar-me de Manuel Bandeira para reavivar este vocábulo tipicamente bandeiriano: malogro. Para que falar em ruína, perda ou derrota se há uma palavra como “malogro” no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, tão apreciado pelo autor de Libertinagem, não é mesmo?
Bem, por falar em mestres e poetas, há algumas semanas encontrei a jornalista Patricia Daldegan em um evento corporativo na cidade e, também dentro de um processo proustiano, lembrei-me justamente do curso de jornalismo da então Faculdade de Filosofia de Campos, onde ela atuava como professora na disciplina de TV. Por motivos óbvios, devo ter sido o aluno que mais dera trabalho à Patricia, que fez história no telejornalismo da cidade, área onde eu não atuaria nem como gandula, a depender do meu pífio desempenho na disciplina.
Certa feita, porém, ela falara sobre Murilo Mendes em sala de aula, de forma totalmente despretensiosa, mas proferindo um excelente relato sobre o grande poeta de suas Minas Gerais. E, se até àquela altura Murilo era apenas um nome presente na lombada dos livros, Patricia o transformara em um poeta de corpo e alma, por meio de ótimas histórias, dando mais cor e vida à obra do grande mineiro. Está é, aliás, uma característica comum aos grandes professores: ensinam mesmo quando não estão a ensinar.
Não faz muito tempo, inclusive, que consegui a obra completa de Murilo Mendes, que vem se tornando raridade, o que diz muito sobre o nosso mercado livreiro. Lendo o grande modernista, entretanto, descubro algumas pérolas, como a mesma reverência à figura do professor, tão patente em suas famosas memórias, coligidas em “A idade do serrote”.
Nelas, Murilo comenta todo o seu percurso humano e poético, assemelhando-se a outro relato famoso em nossa literatura: o “Itinerário de Pasárgada”, do já citado Bandeira. A diferença é que Murilo parece ter sido ainda mais pessoal, focando menos na sua absorção poética do que nas figuras humanas e professorais às quais se deparou ao longo da vida. Em “A idade do serrote”, são muitas as páginas em que Murilo se ocupa desses professores, como se fossem eles os responsáveis por todo seu êxito na literatura.
Até porque, no fim das contas, mais do que conteúdos e informações, são eles que acabam permanecendo e se eternizando dentro de nós.