Jorge Luis Borges era um escritor fascinado por labirintos. Muitos de seus contos e poemas tratam desse assunto, como a apontar o gosto do autor por narrativas – e realidades – que se bifurcam, trazendo assim novos significados. “O pior labirinto não é aquela forma intrincada que pode nos aprisionar para sempre, mas uma linha reta única e precisa”, dizia Borges. Esta frase do mestre argentino sempre me persegue quando penso nos diferentes caminhos da leitura, especialmente ao reparar como ela é tratada nas redes sociais.
Afinal, já se tornou comum ver um grande número de jovens idealizando demais a vida literária, por vezes criando debates excessivamente pueris e estéreis, que resultam em uma espécie de “gourmetização” da experiência intelectual. São pessoas que consomem diversas resenhas no Youtube ou no Instagram, mas não vivenciam, elas mesmas, aquele livro. Ou pior: adquirem uma série de cursos e obras de iniciação à leitura (especialmente o famoso “Como Ler Livros”, de Mortimer Adler) e ainda assim não dão o primeiro passo para consolidar sua história como leitor, temendo enfrentar os diferentes labirintos propostos pela literatura. Como se fosse necessário idealizar um caminho reto e previsível, esquecendo-se de que a verdadeira experiência literária muitas vezes reside nas surpresas que surgem ao longo do percurso.
Diante disso, fico imaginando quantos desses jovens acabam perdendo a chance de vivenciar os muitos cruzamentos e acidentes comuns à vida do leitor, a começar pelo hábito de frequentar uma biblioteca esquecida na própria cidade, com suas estantes empoeiradas e livros acumulados – o que pode levar a, de repente, descobrir uma série de livros por conta própria, seja pela capa, seja pela orelha, espantando-se com a história ali descrita. Ou o percurso de anos visitando livrarias, bancas e sebos, descobrindo autores por mera casualidade, adquirindo raridades ou lançamentos imprevistos, desfazendo-se de obras ruins ou medianas, enquanto convive com os livros a ponto de já reconhecer todo o itinerário daquela edição – ficando, enfim, um pouco mais liberto do algoritmo da Amazon e das resenhas comerciais feitas pelos produtores de conteúdo.
Isso para não falar da quantidade de leituras feitas ao acaso, quase sempre imprevistas, mas que não raro se traduzem em experiências memoráveis e eletrizantes, sejam elas em casa ou na rua, no trabalho ou na faculdade, em ônibus lotados ou na solidão do Uber, em clínicas movimentadas ou consultórios vazios, em lares excessivamente ruidosos ou apartamentos mergulhados em silêncio, “aturdidos de delicadeza”, como dizia Paulo Mendes Campos, ignorando por completo o mundo e o ambiente ao seu redor – a ponto de os próprios livros refletirem essa trajetória com páginas marcadas e anotações feitas à caneta, por vezes com desenhos ou livre de grifos, manchadas de suor ou mesmo de lágrimas, mas sem sofrer jamais da limpidez e da falsa assepsia dos filtros de Instagram.
Ou seja: Borges estava certo. O pior labirinto é aquele traçado linear, que nos seduz com a ilusão de caminhos fáceis, mas que, na verdade, nos embriaga e nos aprisiona. Feliz de quem se perde no verdadeiro labirinto da literatura, uma teia acidentada, rica, complexa e cheia de nuances, mas que se entrelaça com a nossa própria vida e tem o poder de nos transformar para sempre.