Há pouco tempo, o advogado e escritor José Roberto de Castro Neves trouxe para o mercado um livro que todos deveriam ter na estante: “Caixa de Palavras: Por que você deve ler (e o que ler)”. Na obra, como já indica o título, o autor faz um excelente apanhado da literatura ocidental para explicar, de forma quase didática, todos os benefícios da leitura. Mas o que mais chamou minha atenção não foi isso.
O que me surpreendeu foi o despudor de José Roberto em descrever o enredo de inúmeros clássicos nacionais e internacionais, sem se preocupar tanto com aquele público que detesta receber spoilers. A defesa do autor, aliás, foi ótima: a narrativa de um livro, em geral, vale por si mesma, já que o “o caminho muitas vezes vale mais do que o destino”.
Desde então, costumo me lembrar de José Roberto quando, às vezes, sou solicitado a indicar algum filme entre amigos ou membros da família. A depender do interlocutor, acabo ativando o modo pilhéria e, com isso, recomendo nada menos do que Mártires, um longa-metragem de terror quase trash, famoso por envolver cenas brutais de tortura.
Ou seja: já sabendo que dificilmente o interlocutor perderia tempo com um filme tão classe B, não resisto a dar o spoiler. Trata-se da história de duas garotas que, em diferentes momentos, caem nas mãos de um grupo de torturadores, cujo objetivo é desvendar o que existe do outro lado da vida através da tortura, levando cada vítima até o limiar da existência para contar o que viu.
Quem não ficaria intrigado em descobrir o que há entre a vida e a morte, não é mesmo?
Mas o impressionante é que, no decorrer da história, o espectador se envolve nesse percurso imersivo e acaba realmente ansioso pelo relato da vítima, querendo entrever a última fronteira da realidade. Até que, depois de um longo martírio, enfim a prisioneira decide contar o que acabara de ver e de sentir, revelando, em suma, o segredo da existência.
Mesmo combalida e torturada, a garota convoca a chefe do grupo, sussurrando no ouvido dela o que presenciara no limite da consciência. Eis que a líder religiosa, completamente estarrecida, convoca todos os membros da seita para, enfim, fazer a grande revelação, deixando todos em transe, vidrados na tela. Mas (eis o spoiler) a personagem se tranca no banheiro para se maquiar e, de forma abrupta, com ar grave e compenetrado, tira a própria vida com um tiro, sem revelar nada para ninguém.
É difícil imaginar uma quebra de expectativa tão fantástica quanto esta, capaz de arrancar a mais insana gargalhada do espectador menos envolvido com a história, sendo um dos finais mais nonsenses já colocados na grande tela. E quem achava que enfim iria descobrir o segredo da vida (logo num filme desses!) acaba ficando a ver navios, dando com os burros n’água, caindo do cavalo e mais qualquer outra expressão idiomática que o leitor conseguir tirar da cartola… e ainda correndo o risco de não encontrar nenhuma que faça jus a Mártires.
Talvez porque, como diria Aparício Torelly, nosso célebre Barão de Itararé, de onde menos se espera é que não sai coisa alguma. Como essa crônica, por exemplo.