– O diagnóstico precoce pode salvar muitas vidas -

Dr. Isaías Soares de Paiva
Médico geneticista, mestre em Pediatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, doutor em Genética pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É professor adjunto em diversas universidades do Rio de Janeiro, presidente do Comitê de Genética da Sociedade de Pediatria do Estado do Rio de Janeiro (Soperj) e membro do Comitê de Genética da Sociedade Brasileira de Pediatria

Dr. Gustavo Drumond Lopes
Oncologista Clínico pelo Instituto Nacional do Câncer – INCA – RJ. Pós-graduando em Predisposição Hereditária ao Câncer pelo Hospital Israelita Albert Einstein – HIAE-SP

O Câncer ou Neoplasia Maligna é considerado uma das principais causas de mortalidade no mundo, representando 1⁄4 dos óbitos. A incidência do câncer vem se expandindo com o envelhecimento da população, com aumento de 25% da mortalidade desde a década de 90 e projeções de mais de 23 milhões de casos anualmente até 2030. Segundo o INCA, são previstos 625.370 casos para o ano de 2020. Estas estatísticas sombrias, contudo, podem ser diminuídas se o diagnóstico for precoce e se medidas de prevenção forem adotadas. Isto tem sido possível graças aos avanços do conhecimento na área da Oncogenética, que representa a junção da Oncologia Clínica e da Genética Médica.
O Câncer é definido como um conjunto de doenças que compartilham a característica comum de crescimento celular descontrolado. Um câncer se forma quando um clone de células perde os controles normais do crescimento. É uma doença genômica, surgindo como consequência de alterações cumulativas no material genético de células normais. Assim, todo câncer resulta de uma alteração genética na célula tumoral.
Então, o câncer seria uma doença totalmente genética? Sabe-se que os fatores ambientais como tabagismo, exposição solar, radiações, álcool e outros podem provocar câncer. Mas como os fatores ambientais agem para isso? Os fatores ambientais são conhecidos por desempenhar um papel importante na carcinogênese, produzindo lesão no material genético (DNA) da célula. Assim, o risco global de uma pessoa ter câncer depende de uma combinação de fatores hereditários e ambientais.
As neoplasias malignas podem apresentar ocorrência esporádica (multifatorial) ou familiar (hereditário). No câncer esporádico (não hereditário) não há prevalência aumentada na família, a idade de ocorrência geralmente é acima dos 60 anos de idade e a etiologia é mais dependente de fatores ambientais. O câncer hereditário é decorrente de mutações germinativas (herdadas), a frequência de casos nas famílias é aumentada, idade de início em pessoas jovens, geralmente antes dos 50 anos de idade e não é dependente apenas de fatores ambientais.
A hereditariedade exerce um papel fundamental na etiologia do câncer. Estima-se que cerca de 10% dos tumores tenham predisposições hereditárias e que 20% dos pacientes com câncer tenham um histórico familiar positivo. No câncer hereditário, as células tumorais surgem quando determinadas mutações ocorrem em genes que são responsáveis por regular o crescimento da célula. As mutações podem ser germinativas ou somáticas. As mutações germinativas ou hereditárias ocorrem nos gametas (espermatozoides ou óvulos) e são herdadas dos pais. As mutações somáticas ou adquiridas ocorrem nas células do corpo ao longo da vida e não são transmitidas para os descendentes. Estas mutações são provocadas por fatores ambientais que lesam o DNA.
“Se uma síndrome de predisposição hereditária ao Câncer é diagnosticada em uma família, o probando (paciente com diagnóstico do câncer) deve ter uma consulta com um Geneticista ou Oncogeneticista, conhecida como Aconselhamento Genético (AG)”

O Câncer Hereditário ou Síndrome de Predisposição Hereditária ao Câncer (SPHC) são condições genéticas, nas quais neoplasias malignas tornam-se mais prevalentes em indivíduos de uma mesma família. Elas ocorrem por transmissão vertical, por meio de um padrão de herança mendeliano bem definido, em geral do tipo autossômico dominante, com probabilidade desta pessoa passar para seus descendentes de 50% e elevada taxa de penetrância (risco alto de apresentar sintomas em caso da presença da mutação patogênica).
Devemos suspeitar de uma síndrome de predisposição hereditária ao câncer se: (a) idade precoce ao diagnóstico, geralmente antes de 50 anos; (b) mais de uma neoplasia em um mesmo indivíduo; (c) vários membros de uma mesma família apresentando a mesma neoplasia; (d) neoplasias relacionadas e múltiplas gerações acometidas; (e) tumores bilaterais; (f) tumores raros, entre outros.
As principais Síndromes de Predisposição Hereditária ao Câncer são: Retinoblastoma Hereditário, Câncer de Mama, Ovário Hereditário, Síndrome de Li-Fraumeni, Síndrome de Lynch, Polipose Adenomatosa Familiar, Câncer de Próstata Hereditário, Câncer Gástrico Difuso Hereditário, Câncer Pancreático Familiar, Melanoma Hereditário, Neoplasia Endócrina Múltipla e Leiomiomatose e Câncer Renal Hereditário. Adicionalmente existem várias síndromes genéticas que cursam com predisposição ao desenvolvimento de neoplasias como Neurofibromatose, Esclerose tuberosa, síndrome de Beckwith-Wiedemann, síndrome de Sotos, síndrome de Peutz-Jeghers, síndrome de Von Hippel-Lindau, síndrome de Birt-Hogg-Dubé, síndrome de Cowden, Complexo de Carney, síndrome de Bannayan-Riley-Ruvalcaba e outras mais raras.
Alguns tipos de neoplasias, por si só, são sugestivos de síndrome de predisposição de câncer hereditário como: carcinoma adrenocortical, câncer de mama em homens, tumor de plexo coróide, câncer de endométrio, câncer de ovário, mais de um tumor em glândulas endócrinas, carcinoma medular da tireoide, feocromocitoma, leiomiomas cutâneos e carcinoma de células renais e sarcomas (na infância).
Se uma síndrome de predisposição hereditária ao Câncer é diagnosticada em uma família, o probando (paciente com diagnóstico do câncer) deve ter uma consulta com um Geneticista ou Oncogeneticista, conhecida como Aconselhamento Genético (AG).
O AG em câncer consiste em uma avaliação integral do paciente e sua família para estimar o risco de recorrência da neoplasia, identificação dos familiares em risco de desenvolver câncer, indicação de testes genéticos para os familiares em risco de ter herdado a mutação, informações sobre as opções de acompanhamento e tratamento. Nesta consulta, o médico deverá obter a história clínica completa do paciente e sua família para: (a) desenhar o heredograma (árvore genealógica) de pelo menos três gerações para anotar os indivíduos que desenvolveram câncer; (b) determinar o tipo de tumor (importante os dados do exame anatomopatológico do tumor); (c) a localização do tumor; (d) a idade de diagnóstico e do óbito se ocorrido; (e) os tratamentos realizados. O médico poderá fazer o diagnóstico diferencial entre as várias síndromes de predisposição Hereditária ao câncer ou considerar uma síndrome genética que cursa com neoplasia.
Após a consulta de aconselhamento genético, o risco de câncer hereditário no paciente e em seus familiares é avaliado baseado na história clínica, no heredograma e nos modelos matemáticos de risco disponíveis para diversos tumores. Os testes genéticos serão indicados, ao probando e aos familiares em risco, para identificar a presença de mutações germinativas patogênicas causadora daquela neoplasia. A seguir deverá ser realizado o aconselhamento genético pós-teste para informar o significado dos resultados dos testes genéticos realizados e as medidas pertinentes que deverão ser adotadas. Nas pessoas com a mutação presente há necessidade de adotar protocolos e rotinas de acompanhamento e manejo para prevenção de câncer nestas pessoas.
Assim, se um câncer é diagnosticado, a primeira pergunta é: este câncer é hereditário ou multifatorial? Se sugestivo de hereditário, esta pessoa deve ser encaminhada para consulta na Genética ou Oncogenética e a mutação relacionada a este câncer deve ser identificada por teste genético. Ressaltamos que isto é importante não somente para a própria pessoa (probando), mas seus familiares como pais, irmãos, filhos, netos e sobrinhos, que podem estar em risco de desenvolverem neoplasias malignas em idade precoce. E há muito a fazer para esta família. Os familiares em risco portadores da mutação germinativa devem ser submetidos a rotinas e protocolos específicos, que podem prevenir o câncer nestes familiares, sendo muito importante que o aconselhamento genético seja disponibilizado para esta família em risco.