(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Sthevo Damaceno

Ler por prazer

Ler por prazerNo atual cenário literário, poucos lançamentos se revelaram tão instigantes quanto “O primeiro leitor”, de Luiz Schwarcz. A obra, em si, já é um marco para quem cresceu lendo os títulos da Cia. das Letras (e acompanhou parte das histórias na época em que aconteceram). Mas ela fica ainda maior por Schwarcz tecer ensaios sobre literatura em meio às memórias de editor, o que amplia a leitura para além da mera identificação inicial.

Isso porque, no livro, não acompanhamos apenas os bastidores do mercado editorial ou de grandes figuras literárias (foi uma bela surpresa, aliás, ele falar sobre José Paulo Paes e Rubem Fonseca, magistri maximi). Ali entendemos também como a literatura, em si, funciona, adentrando as frestas de uma metáfora tecida pelo próprio Schwarcz.

É quando ele diz que “o leitor habita todo o espaço em branco do livro”, já que as bordas das páginas, em cima, abaixo e nas laterais, além do respiro entre as linhas, são os espaços que simbolizam graficamente sua presença. A área branca do livro, então, tem quase a mesma importância quanto aquela ocupada pela tinta do texto, já que os leitores preencherão essas fissuras com as próprias subjetividades.

Ainda assim, Luiz não deixa de mostrar, para nós, o peso que é ser um editor. Isso acabou me conduzindo a uma trajetória um pouco mais leve, mas não menos rica na literatura: a de José Mindlin. Se Schwarcz revela as tensões de quem edita, Mindlin narra a alegria de quem lê e coleciona. Seu imenso acervo de livros (que reunia originais de Graciliano, Rosa e Drummond) foi erguido a partir de uma convicção que sempre guiou sua leitura: o prazer.

Isso acabou se tornando até mesmo o ex-libris de sua biblioteca, retirado dos Ensaios de Montaigne: “Je ne fay rien sans gayeté”, “não faço nada sem alegria”. Mindlin repetia esse mote à exaustão, a ponto de transformar a vida de muitos leitores. Mas nem poderia ser diferente.

Para Milan Kundera, o amor pode nascer de uma simples metáfora. Do mesmo modo, uma frase simples (a da leitura como prazer) também pode moldar uma existência. Às vezes, nem notamos como elas ressoam na nossa escuridão formativa, até que, de repente, ficamos inebriados ao vermos como iluminam a nossa vida inteira.