(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Sthevo Damaceno

O encanto de ler Paulo Mendes Campos

Houve uma época em que Paulo Mendes Campos não saía da minha bolsa: andava sempre com ele, deixando-o com frequência sobre as mesas que ocupava. “Por que esse livro está sempre contigo?”, perguntou, certa vez, um colega de trabalho, já emendando: “você gosta mesmo desse cara, hein”. Olhei para ele e sorri, em silêncio.

Talvez eu devesse ter explicado que mergulhar nos textos de Paulo Mendes Campos é vislumbrar não um homem comum, mas um homem possível. Alguém que, em vez de acordar de modo mecânico ou um tanto casmurro, preferia ser despertado pelos “dedos róseos da aurora”, capazes de atravessar nossas pálpebras e acariciar nossa retina, convidando-nos para um dia de delícias inesperadas, como se, de repente, estivéssemos livres de todos os pecados.

Ler Paulo Mendes Campos é ser o homem que cumpre obrigações, trabalha, joga pelada na praia, divide um whisky com os amigos, diverte-se com os ritos da vida até, de repente, enxergar um antepassado ao se ver pelo espelho (adquiri com ele a mania de olhar as veias de minhas mãos, por ver nelas o mesmo desenho das veias de meu pai, que me fascinavam quando criança). Paulo Mendes Campos nos habitua a esses “teoremas abstratos do espírito”, já que a vida é uma miríade de espantos, mas todos transmutáveis em linguagem.

Por toda sua prosa, aliás, escorre essa seiva cética e lírica que tanto inebriou Clarice Lispector (ela foi amante de Paulo por um breve período e, como reza sua biografia, jamais o esqueceu, amando-o até morrer). Difícil, realmente, imaginar um espírito mais adequado para aquela mulher alada do que Paulo Mendes Campos, que admirava o feminino em seus toques mais sutis, contemplando até mesmo “o cigarro que ela esmaga no cinzeiro, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas”, sabendo ser mais interessante contemplar a alma feminina do que meramente invadir-lhe a intimidade.

Tudo isso faz de Paulo Mendes Campos uma presença bastante distinta na crônica brasileira, sendo difícil até mensurar sua estatura. O melhor é deixar-se inebriar por sua atmosfera densa e lírica, capaz de nos manter suspensos mesmo quando a conversa ao lado tenta nos puxar de volta, sem saber que estávamos longe, ainda que em profundo silêncio.