(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Nos últimos dias, passaram-se muitos anos… A frase atribuída a Rubem Braga hora ou outra me vem à cabeça quando sinto a passagem do tempo. Já reparou como o mundo, de fato, parece estar girando numa velocidade sem precedentes? Pode soar clichê, eu sei, mas não deixa de ser verdade. Como dizia o poeta Thiago de Mello, a lenda, porque lenda, é verdadeira.
Dias atrás (ou foram meses?), alguém me enviou um vídeo interessante do jornalista e escritor inglês Richard Fisher, que acaba de lançar o livro “The Long View”, a fim de discutir nossa visão de longo prazo e a forma como a era digital vem alterando nossa percepção do tempo. Na palestra, Fisher realizou um grande apanhado histórico, citando desde obras de arte até filosofias religiosas, para ilustrar a capacidade humana de pensar e planejar o futuro.
Segundo ele, toda essa habilidade construída ao longo de séculos vem sendo minada pela era digital, que incute nas pessoas a necessidade de gratificação instantânea, onde tudo se resume a likes no TikTok ou curtidas no Instagram. Algo totalmente oposto, por exemplo, à era medieval, quando milhares de artesãos trabalhavam em catedrais que ficariam inacabadas durante a sua vida, até serem concluídas pelas gerações seguintes.
A fala de Richard Fisher logo me transportou para o mundo da literatura, mais especificamente para “A Montanha Mágica”, do escritor alemão Thomas Mann, onde a passagem do tempo ganha uma dimensão filosófica sem igual na história literária.
Ao longo do livro, acompanhamos todo o amadurecimento do jovem Hans Castorp, que resolve visitar um de seus primos, internado em um sanatório para o tratamento da tuberculose. Mas logo o visitante se depara com um outro tipo de realidade, já que a percepção sobre o tempo dos indivíduos lá de cima era completamente oposta à do protagonista, que vinha “do mundo lá de baixo”. Se para alguns personagens os meses significavam dias, para outros era exatamente o inverso. “A Montanha Mágica”, inclusive, acaba influenciando o tempo do próprio leitor, já que, como adverte o escritor alemão, é necessário “desistir de computar o tempo que decorrerá sobre a terra enquanto estiver enredado na leitura”.
Por falar em leituras enredadas, há algumas semanas tive outra grata surpresa, ao navegar pela Revista Bula. Foi lá que me deparei com um excelente ensaio de David Mandelbaum, advogado e pesquisador da PUC-SP, no qual ele revela a capacidade de a “Ilíada”, de Homero, funcionar como um antídoto para os tempos apressados em que vivemos, já que “a leitura de uma epopeia, mais do que qualquer outra, ensina o que é contemplação”. Isso dá ao leitor a chance não apenas de absorver o conteúdo épico, mas também de aprimorar sua habilidade contemplativa, desenvolvendo uma ligação muito mais profunda com as obras de arte.
Nada mais correto. Além de nos ajudar a entender melhor nossas próprias experiências, um grande autor muitas vezes consegue transformar nossa relação com o mundo, restaurando um pouco da empatia perdida diante da superficialidade do convívio humano. Até porque, com o tempo, como dizia Mario Quintana, não vamos ficando sozinhos apenas pelos que se foram: vamos ficando sozinhos uns dos outros.