(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br
Há algumas semanas, o comediante Márvio Lúcio dos Santos, o famoso Carioca, provocou uma reflexão intrigante durante um podcast. Questionado se o humor estaria perdendo espaço em um mundo politicamente correto, Márvio afirmou que, na verdade, a arte da comédia nunca esteve tão em evidência, a ponto de considerá-la o ápice da expressão humana.
Segundo o comediante, basta observar a quantidade imensurável de vídeos humorísticos que circulam o dia inteiro pelo WhatsApp, oriundos das mais diferentes fontes, sejam eles os reels engraçados do Instagram, as pegadinhas dos grupos de família ou a enxurrada de virais curiosos do TikTok. “O mundo de hoje está produzindo humor incessavelmente, nunca foi tão fácil produzir humor como na atualidade”, opinou Carioca.
Partindo do mesmo raciocínio, é possível estabelecer um paralelo com a escrita, uma vez que a democratização da tecnologia, por meio dos smartphones e das redes sociais, potencializou o uso da palavra como nunca antes na História. Isso talvez ajude a entender por que os cursos de português, técnicas de redação e oficinas literárias andam tão em alta na internet, com produtores de conteúdo cada vez mais proeminentes no mercado online. Mas seria este o único caminho para dominar a arte da escrita?
Quando Rubem Fonseca redigiu a série de crônicas que formariam “O Romance Morreu”, houve quem achasse que o escritor mineiro estaria anunciando o declínio da literatura em um mundo dominado pela superficialidade da web e outras falácias do gênero. Mas foi o contrário: naqueles textos, o escritor comprovou a importância dos livros na era moderna, destacando-se como uma das principais maneiras de aprender a escrever.
Em um desses ensaios, publicados no antigo Portal Literal, Rubem Fonseca revelou como a leitura dos grandes autores definiu sua trajetória desde a infância, quando lia as histórias de Julio Verne e muitos outros. “Até hoje, o prazer de ler é um dos meus maiores prazeres. Principalmente ler poesia”, escreveu Rubem, à época. “Detestava quando o professor me mandava fazer uma análise gramatical ou léxica do texto que eu havia lido. Nunca aprendi gramática, e creio que isso não me impediu que aprendesse a escrever bem, lendo. Esta é a melhor maneira de aprender a escrever: lendo, lendo, lendo muito”, asseverou.
Foi Rubem Fonseca, aliás, quem ajudou a difundir no Brasil um dos maiores contistas – e mestres da escrita – de todos os tempos: o escritor russo Isaac Bábel. Para isso, Fonseca o transformou em um dos protagonistas incidentais do renomado “Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos”, lançado em 1988.
Neste livro, o autor mineiro concebeu uma trama intrigante, envolvendo o tráfico de pedras preciosas e um raro manuscrito perdido de Isaac Bábel, que chamou a atenção de milhares de leitores brasileiros para a obra do escritor soviético.
Uma delas é “O Exército de Cavalaria”, que narra a vivência de Bábel como soldado na Guerra Russo-Polonesa, durante a década de 1920. Traduzido no Brasil por Aurora Fornoni Bernardini e Homero Freitas de Andrade, o livro reúne 36 contos que se destacam pela precisão narrativa e pela escrita lapidada de Isaac Bábel, que escrevia histórias de apenas duas ou três páginas, mas capazes de romper a zona de conforto do leitor como poucos escritores o fizeram.
“Nenhum ferro penetra no coração humano de forma tão gélida quanto um ponto colocado no momento preciso”, costumava dizer Isaac Bábel, deixando uma lição e tanto para aqueles que buscam dominar a arte da escrita, ainda que a toques milimétricos na tela do celular.