Como lidar com o alcoolismo?

Como lidar com o alcoolismo?Nenhuma substância, seja lícita ou ilícita, parece ser tão propensa a interpretações equivocadas quanto o álcool. Basta observar, por exemplo, a forma como ele é tolerado – e até mesmo incentivado – em nosso meio social. Quantos shows musicais, torneios esportivos ou festas de casamento não são regadas à bebida, que é sempre associada a prazer e relaxamento? Quantas pessoas não estão aproveitando o verão na praia, tomando várias latas de cerveja ou drinks variados, para depois acabar pegando a estrada, trazendo riscos para si e para os outros?

Mas que o público não se engane: assim como a bebida alcoólica costuma ser encarada como um hábito prazeroso, na realidade ela está frequentemente vinculada a acidentes de trânsito, violência doméstica e conflitos familiares, resultando em problemas físicos e mentais que, em muitos casos, trazem danos irreparáveis ao indivíduo.

Como lidar com o alcoolismo?
A médica psiquiatra Dra. Lana Maria Pereira

Quem nos fala sobre o assunto é a médica psiquiatra Dra. Lana Maria Pereira. “Primeiramente, o alcoolismo é uma questão de saúde pública, sendo reconhecido como uma doença pela Organização Mundial de Saúde desde o meado do século XX. Trata-se de um problema bastante complexo, visto que não há muitas restrições para a aquisição de álcool. Porém é uma substância equiparada a outras drogas, como heroína, cocaína e crack. A diferença é que ela é comercializada livremente, sendo acessível a um grande número de pessoas”, diz Dra. Lana. “Mas é importante reconhecer que o álcool é uma droga psicoativa, que afeta a função cognitiva do indivíduo. Assim como acontece com a cocaína, o crack e o tabagismo, o usuário sente dificuldade em cessar o consumo da substância, que acaba trazendo problemas tanto físicos, quanto mentais, provocando alterações significativas em seu modo de vida”, alertou.

Os dados confirmam essa triste realidade: de acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), realizada em 2020 pelo IBGE, os brasileiros estão consumindo mais bebidas alcoólicas, com incidência ainda maior entre as mulheres. Segundo o IBGE, o álcool é considerado hoje uma das principais causas de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), bem como acidentes e violência doméstica. Além disso, os dados mostram que o álcool é mais prevalente nas camadas sociais mais privilegiadas, derrubando por completo muitos estereótipos que associam o consumo da substância a camadas sociais mais baixas da população.

“Todo esse estímulo quanto à bebida alcoólica faz com que as pessoas se tornem dependentes sem saber”, afirma Dra. Lana. “Mas a maneira como seu comportamento se altera ao consumir o álcool, as atitudes tomadas em casa, a abordagem frente aos desafios do dia seguinte, seja vivenciando frequentes ressacas ou enfrentando dificuldades para interromper o consumo, tudo isso constitui uma forma de reconhecer a dependência”, explica a médica. “O primeiro passo é o indivíduo aceitar o problema, uma vez que ele acredita estar sempre no controle. No entanto, a dependência revela sinais muito característicos, transformando-se em um problema patológico, com grande influência também da herança familiar, já que a personalidade do indivíduo, o ambiente em que está inserido e os elementos neurobiológicos desempenham papéis cruciais nesse contexto”, acrescentou Dra. Lana.

Ela ressalta, no entanto, que o consumo desenfreado de álcool muitas vezes transcende a esfera do indivíduo, gerando inúmeros problemas à família. “O alcoolismo provoca um impacto profundo na estrutura familiar, resultando em episódios de violência doméstica e na negligência da saúde pessoal, assim como na alimentação dos filhos. Essa negligência acaba desencadeando problemas financeiros, que se manifestam em conflitos familiares, dando origem a um ciclo vicioso, uma verdadeira bola de neve, que tende a se agravar ao longo do tempo – e o indivíduo, muitas vezes, não consegue identificar o álcool como a fonte de todos esses problemas. Daí a importância de reconhecer a dependência para dar início ao devido tratamento”, finalizou.