Seletividade Alimentar na Infância

O desenvolvimento do comportamento alimentar infantil é influenciado por diversos fatores. Mudanças no apetite, recusas alimentares e neofobia alimentar – medo de ingerir novos alimentos – são recorrentes nesta fase. É comum que os pais ou responsáveis pela alimentação das crianças fiquem frustrados quando isso ocorre. É necessário estar atento para perceber fatores causais internos e externos e procurar ajuda de um profissional para fazer a intervenção necessária

Para esclaSeletividade Alimentar na Infânciarecer sobre o assunto, conversamos com a nutricionista Sophia Novaes Filgueiras, que é especialista em Nutrição Clínica, capacitada em Terapia Nutricional e Suplementação no Transtorno do Espectro Autista – TEA e terapeuta alimentar. “Gostaria de começar desmistificando os problemas de alimentação que não se resumem à seletividade alimentar, como muito visto na internet em tempos atuais. Irei abordar os quatro principais casos que costumo atender em maior demanda na minha prática clínica, com crianças típicas e atípicas”, disse. A nutricionista explica que se alimentar é muito mais complexo do que se imagina. “O ato de engolir exige a utilização de 26 músculos e 6 nervos cranianos, entre todas as outras funções exigidas do organismo no ato de comer, desde sentar com a coluna ereta a fazer movimentos de mastigar. Logo, não é intuitivo e tem muito dos aspectos sensoriais envolvidos. O mastigar é totalmente aprendido, o que as crianças nascem sabendo é sugar, desde o ventre. Por essa razão, a primeira água na fase da introdução alimentar deve ser ofertada em copo aberto, ou seja, um copo menor, próprio para a idade. Esse copo deve estar cheio de água para que o bebê não precise inclinar muito a cabeça e corra o risco de engasgar. Dessa forma, não vai existir a possibilidade de confusão de bicos, caso o aleitamento materno ainda esteja acontecendo. E logo será criado uma espécie de guarda-chuva em relação aos problemas com alimentação, pois todos eles vão envolver alguma questão que afete negativamente a manutenção do estado nutricional da criança e/ou o processo de dar/receber alimento”, alertou. De acordo com Sophia Novaes Filgueiras, embora a seletividade alimentar seja complexa, na prática, é considerada a dificuldade mais leve dentre os problemas com a alimentação. Mesmo sendo necessária uma intervenção e um olhar clínico para a conduta ideal de forma precoce, ainda é mais branda em comparação às demais. “A criança nesse quadro consome, geralmente, até 30 alimentos, podendo tocar, cheirar e até mesmo provar os alimentos e, por mais que não os coma, se alimenta com a família normalmente e costuma comer um alimento da maioria das texturas e ao menos um alimento de cada grupo alimentar. E, às vezes, fica sem comer um alimento que tinha na rotina alimentar e retoma o consumo depois de uma pausa. Tolera novos alimentos no prato, mesmo que não toque neles e pode se sentir confortável. Sempre ressaltando que cada criança é única, e que um alimento, para ser introduzido na rotina, pode precisar em média de 20 a 30 exposições”, destaca. 4 principais casos recorrentes de recusa alimentar em crianças citados pela nutricionista: A fobia alimentar é quando a criança desenvolve um medo súbito de se alimentar após um episódio traumático, sendo ele alimentar (engasgo, vômito, desconfortos gastrointestinais como diarreia, gases em excesso, constipação, entre outros) ou relacionado à alimentação (internação, sonda, cirurgias, anquiloglossia), então a criança chora, se estressa e sente medo, demonstrando através do comportamento de recusas e fuga. Os distúrbios alimentares são quando o indivíduo, mais especificamente as crianças, comem rápido demais, alimentam-se até passar mal ou preferem até fazer as refeições sozinhas, por sentirem vergonha. Este é um quadro grave, que normalmente resulta em consequências emocionais, psicológicas, nutricionais e orgânicas e precisa de uma intervenção multidisciplinar/transdisciplinar especializada. A dificuldade alimentar é um quadro mais severo e, falando de maneira superficial, é como se a seletividade alimentar não tivesse sido tratada, pois não passa sozinha. Quando a criança come, em teoria, menos que 20 alimentos, o que na prática significa, muitas das vezes, menos que 5, essa criança raramente vai se sentir bem em comer em família e poderá deixar de comer alimentos favoritos sem nunca mais os reintroduzir, apresentando crises quando é colocado alimento novo no prato mesmo que ninguém peça para comer. Normalmente não tolera tocar e nem provar, recusa-se a comer grupos alimentares inteiros e quase sempre requer muito mais que 30 exposições para aceitar novos alimentos. É uma fase que é pouco abordada, mas que pode ser confundida com problemas de alimentação e com a neofobia alimentar. A neofobia alimentar pode caracterizar-se não só pela rejeição ou relutância em provar alimentos novos, mas sim o “medo do novo”. E esse novo não precisa ser um desconhecido e sim um que a criança só comeu misturado com outros, ou que ele não vê com tanta frequência, entre outros critérios. Além de poder estar associado às expectativas que se criam em relação ao novo alimento. A neofobia é comum a todos os seres humanos e está presente em todos os grupos etários, havendo uma diferença na intensidade entre indivíduos. É como um instinto de sobrevivência, que tem seus “sintomas” intensificados entre o 2⁰ e o 6⁰ ano de vida. Entre o 1º e o 3º ano de vida é o período que ocorre o aprimoramento e formação das preferências alimentares das crianças. A nutricionista conclui informando que, entre os 2 e os 6 anos de idade, comportamentos alimentares neofóbicos podem começar a surgir em algumas crianças. Os critérios variam, mas normalmente é como uma espécie de defesa. E os grupos que costumam ser rejeitados em massa são os vegetais e frutas, e os industrializados como mais aceitos, isso porque os alimentos in natura (naturais/de verdade) são imprevisíveis. “A banana e o morango, por exemplo, nem sempre vão estar tão doces ou tão amarela e vermelho, respectivamente. Já o iogurte de potinho e a geleia do supermercado estarão sempre ali, iguais na cor, sabor, textura, cheiro e com a mesma embalagem, ou cada vez mais atrativos. Por isso, quanto menos ofertarmos alimentos ultraprocessados para as crianças, melhor será na educação do paladar, pois não terão sabores artificiais como referência e comparação. Então, por mais que seja uma defesa inata da criança, não podemos fingir ou acreditar que vai passar sozinha. A intervenção precoce pode mudar vidas, pois toda criança pode e merece comer bem”.