(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Eis que o diretor Christopher Nolan volta aos cinemas com “Oppenheimer”, inspirado no físico Robert Oppenheimer, que se eternizou como o “pai da bomba atômica”. Chega a causar surpresa ver o diretor inglês ser tão repercutido nas redes sociais com esse lançamento. Mas, olhando sua trajetória, fica mais fácil de entender o alarde, sobretudo por ele ter redefinido o conceito de blockbuster neste século.
Nem é preciso, inclusive, recorrer à “Amnésia” (Memento), primeiro grande sucesso de Nolan, onde o diretor utiliza duas camadas narrativas (uma colorida e outra em preto e branco), que se chocam ao final, prenunciando um diretor, no mínimo, peculiar, disposto a abrir um filão diferente entre as produções modernas. Basta citar que o contraste viria poucos anos depois, quando Nolan realizou a trilogia sobre o homem morcego, que gerou muita expectativa, frente à incompatibilidade de um diretor quase de vanguarda investir numa trama de HQ, gênero ao qual parte do público costuma torcer o nariz.
Mas o tiro foi certeiro: além de carimbar o passaporte de Nolan para as grandes produções, abrindo de vez as portas de Hollywood, a trilogia do homem morcego elevou em muito o nível dos filmes de super-heróis, seja no aspecto narrativo (criando um grande suspense policial), seja no dramático (eternizando Christian Bale como Bruce Wayne e, claro, Heath Ledger como Coringa, este último sendo vencedor de um Oscar póstumo). Estava ali a essência do diretor inglês: transformar ideias aparentemente simples em enredos profundamente sofisticados, já que a graça não é apenas ter uma boa história – mas uma boa maneira de contá-la.
Talvez esse Nolan tenha ficado mais evidente, porém, em “O Grande Truque”, uma trama de época, em que o diretor apresenta um dos seus maiores números de ilusionismo, distraindo o espectador com uma mão enquanto a outra faz o truque. Difícil imaginar uma plateia que não tenha se espantado com tamanha destreza narrativa – ou ilusionista. É sintomático, inclusive, que alguns filmes desse período tenham seguido o mesmo tema abordado pelo diretor.
O salto narrativo, contudo, se deu em “A Origem” (Inception), que aparentava ser um filme extremamente inovador, mas, na verdade, escondia uma trama já bastante corriqueira em Hollywood, trazendo um hábil criminoso prestes a realizar um último serviço em troca de liberdade e redenção. A maneira como Christopher Nolan narra essa história, utilizando o conceito de sonhos induzidos para gerar grandes camadas narrativas, porém, transformou um enredo já surrado em um dos filmes mais surpreendentes e icônicos do século.
Não mais, é claro, do que Interestelar (que mereceria um capítulo à parte), onde o diretor traz uma história profundamente carregada de efeitos especiais, até hoje elogiada por cientistas e astrofísicos, mas que, no fundo, servia apenas como metáfora para demonstrar como o sentimento amoroso (que move o sol e as outras estrelas, segundo Dante) poderia ultrapassar todas as barreiras objetivas e subjetivas, transcendendo até mesmo o espaço e o tempo. O piegas virando arte por meio da sofisticação.
Com essa fórmula, é compreensível todo o hype quanto à “Oppenheimer”, que enfim tirou Cillian Murphy dos papeis coadjuvantes para se tornar um grande protagonista, impulsionado pelo sucesso de Peaky Blinders. Mas, detalhismos à parte, o que importa é ver o diretor inglês em seu apogeu criativo, sempre prendendo a audiência de forma tão sofisticada quanto um ilusionista virtuoso.