Encontro marcado

(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno
Uma das características mais marcantes do jornalismo é a quantidade de pessoas que, talvez sem perceber, acabam exercendo uma enorme influência em nossa trajetória na profissão. Quando nossa diretora Andréa Muniz lançou a ideia de homenagearmos os colaboradores e articulistas que passaram por nossas páginas, por exemplo, foi impossível não me lembrar diretamente de nosso mestre Fernando da Silveira. Não apenas por ele ter sido um dos responsáveis pela minha entrada no jornal, em 2010, mas sobretudo por notar a influência decisiva que exerceu em minha carreira. Foi na antiga Faculdade de Filosofia de Campos, afinal, que conheci aquele professor de aspecto puramente Drummondiano, aparentemente formal nos traços e nos gestos, o que logo chamou minha atenção. Até que, ao se apresentar, logo esbanjou seu humor característico, fazendo piada com a própria calvície – algo que Drummond certamente jamais faria. A simpatia, então, foi imediata. Até que, de repente, vejo-o diante de mim em sala de aula e, mais do que o bom humor demonstrado momentos antes, o que passa a chamar atenção são as lições memoráveis sobre os mais variados aspectos da história do jornalismo e da literatura, fazendo com que aqueles meros 40 minutos ecoassem o dia inteiro em nossa memória – especialmente a deste humilde rapaz latino-americano que, sem dinheiro no banco e vindo do interior, só passara a ter acesso maior a livros e leitores ali, na faculdade. Era uma sorte inenarrável, portanto, estar na companhia de um de seus maiores cultores, pois era assombrosa a quantidade de referências literárias usadas por Fernando da Silveira, tanto em suas exposições orais, quanto nas provas escritas. Mas não parava por aí: havia ainda as inúmeras conversas despretensiosas com as quais nos brindava nos intervalos, onde bastava mencionarmos qualquer prosador ou poeta – qualquer mesmo! – para logo o mestre campista oferecer uma visão detalhada e apurada daquele autor em especial, mas com um ingrediente ainda mais saboroso: o fato dele ter conhecido, in loco, muitos desses personagens em sua exitosa carreira como jornalista, incluindo nomes como Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, Mario Quintana, entre muitos outros. Isso para não falar, evidentemente, de toda sua produção intelectual, que merecia facilmente uma antologia digna de sua estatura. Ao escrever sobre ele, em outra ocasião, mencionei como o mestre campista me lembrava certos personagens aparentemente despretensiosos da literatura, mas que exerciam uma influência gigantesca no destino dos protagonistas, como o Germano, do “Encontro Marcado”, de Fernando Sabino (inspirado em Jayme Ovalle), ou o senhor Lodovico Settembrini, do clássico “A Montanha Mágica”, de Thomas Mann, que, embora apresentassem traços de comportamento distintos, não deixavam de ter o mesmo poder de Fernando em aguçar a inteligência e o faro intelectual dos personagens com suas filosofias sempre sofisticadas e brilhantes. Ainda bem que não precisei ser personagem de livro para conhecer o maior deles.