(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br
Rubem Braga tem um livro de crônicas com um dos títulos mais prazerosos da literatura: As boas coisas da vida. O mesmo, aliás, que nomeia um dos melhores textos do volume. Trata-se de um breve inventário daqueles prazeres fortuitos e banais cuja única finalidade é trazer um pouco mais de beleza e ternura ao nosso dia a dia.
Como, por exemplo, “tomar um banho excelente num bom hotel, vestir uma roupa confortável e sair pela primeira vez pelas ruas de uma cidade estranha, achando que ali vão acontecer coisas surpreendentes e lindas – e acontecem”.
Vá lá que o Braga hora ou outra deixe escapar um pouco de sua casmurrice rotineira, mas é pura balela, charme de cronista. O urso capixaba, no fundo, sabia viver como ninguém. A começar por sua famosa cobertura em Ipanema, onde construiu um verdadeiro sítio, repleto de pássaros e árvores, encarnando assim o famoso epíteto de “fazendeiro do ar”.
Sorte do nosso mestre Fernando da Silveira, que conviveu com Rubem Braga, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos, dentre muitos outros grandes nomes do jornalismo brasileiro, justamente na fase áurea da imprensa carioca. Deve ter sido fantástico!
Evidentemente, não tive a mesma ventura do estimado professor (que é outro cronista de mão-cheia, aliás), mas isso não me impediu de conhecer determinadas figuras cujas histórias parecem ter saído de uma boa crônica.
Foi esta sensação que tive, por exemplo, quando conheci meu amigo Alexandre Bastos, que iniciou a mim e muitos outros colegas na profissão, orientando nossos primeiros passos no jornalismo.
Enquanto nós, aspirantes ao ofício, vivíamos rodeados de papéis, gravadores e manuais de redação, sofrendo em frente ao teclado, ele transitava por nossas mesas portando apenas um Drummond em papel bíblia (que abria ocasionalmente para mergulhar em Itabira e logo emergir de volta à planície), até parar em um computador qualquer e redigir os mais variados textos, em questão de minutos, com uma tranquilidade de dar inveja a muitos escritores.
Finda a tarefa, levantava-se, circulava pela redação, ensinava algo aos novatos, indicava um clássico do cinema, lembrava de um caso ou outro, sempre arrancando gargalhadas dos ali presentes – para, ao fim do dia, cumprir o ritual do bar ou do boteco, com sua infalível caneca de chope, ao lado dos mais diferentes amigos (ou de alguma mulher…), como se estivesse na Ipanema de Rubem Braga, sob o violão de Vinicius de Moraes e Tom Jobim, aguardando um clássico do Botafogo de Gérson e Jairzinho etc. etc.
De tanto acompanhá-lo nessas tertúlias (algumas delas impublicáveis, ma non troppo), não me furtei a perguntar, certo dia, se ele não sentia vontade de versar aquelas experiências, já que parecia reunir um magma de histórias tão surreais quanto a própria ficção.
– Não, amigo, isso não é pra mim – confidenciou ele, sorvendo o chope de sempre.
– Por que não?
Depois de um silêncio preenchido pelas vozes de alguns passantes, veio a resposta:
– Porque transformar a vida em poesia é melhor do que ser poeta.
Taí um ótimo verso, não é mesmo? Grande, Bastos! Rubem, decerto, aprovaria. Desconfio que o Fernando também.