(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno

Twin Peaks

(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno
Twin PeaksQuem assistia à TV aberta nas noites de domingo, no início dos anos 1990, talvez se lembre da imagem ao lado. Trata-se da abertura de Twin Peaks, série produzida nos EUA no começo daquela década e que, em pouco tempo, se tornaria um verdadeiro fenômeno da cultura pop, sob as mãos do aclamado diretor David Lynch (O Homem Elefante e Eraserhead) e do roteirista Mark Frost (Quarteto Fantástico). A história, claro, girava em torno de Twin Peaks, cidade do interior americano que, em um determinado momento, amanhecera perplexa com a morte da estudante Laura Palmer, cuja notícia afetou a todos os moradores locais. Mas a chegada de um agente do FBI, Dale Cooper, logo demonstrou como Twin Peaks parecia envolta em uma teia gigantesca de fatos insólitos e personagens nonsenses, capazes de revelações tão intrigantes quanto a própria morte de Laura. Mais David Lynch, impossível. Não por acaso, Twin Peaks marcou época na TV americana e logo alcançou o status de cult em todo o mundo, tendo ganhado novos desdobramentos ao longo dos anos, bem como inspirado diversas séries e produções que apareceram depois. Impossível não notar, por exemplo, a quantidade de referências à Twin Peaks em séries como Stranger Things, que recentemente conquistou a garotada. Liderando o ranking de audiência nas plataformas de streaming em 2022, ela se tornou uma das maiores produções da Netflix, que trouxe para as telas a maestria de Matt Duffer e Ross Duffer, os Duffer Brothers, cujo roteiro também incluiu várias outras referências a produções famosas da década de 1980. Mas não para por aí: é possível notar, também, as digitais de Twin Peaks em Supernatural, que fez enorme sucesso no Brasil nos anos 2010. Nela, o protagonista Dean Winchester, vivido pelo ator Jensen Ackles, é nitidamente inspirado no agente Dale Cooper, de Twin Peaks, não apenas por lidar com tramas sobrenaturais, mas, sobretudo, pelo apego aos prazeres banais e prosaicos, como o gosto extremado por tortas americanas e cafés de beira de estrada. Já o figurino de Dale Cooper inspirou outro personagem da mesma série, o anjo Castiel, ambos com seus indefectíveis sobretudos caquis. Por essas e outras razões, a criação de David Lynch e Mark Frost hora ou outra aparece sob os holofotes ou se sobressai nas redes sociais – desta vez, porém, nem tanto pelas influências cinéfilas já referidas, mas por conta de um fenômeno que vem se tornando cada vez mais comum em nosso tempo: a nostalgia da modernidade. O termo, que já ocupou pensadores do naipe de Jean Baudrillard e Zygmunt Bauman, remete à ideia de que o mundo moderno vive em um perene estado nostálgico, devido ao avanço da tecnologia e o esmorecimento das relações humanas – daí ser mais interessante olhar para um passado onde “tudo era mais simples” em vez de se ocupar com um futuro que, decerto, não é nada promissor. Mais Twin Peaks, impossível. Claro que, a rigor, estou resumindo de forma grosseira um conceito bem mais complexo (e que possui mais conotações políticas do que propriamente cinematográficas), mas é curioso como a famosa nostalgia da modernidade ajuda a explicar, talvez, o apego a Twin Peaks e ao mundo analógico presente na série – bem mais interessante, aliás, do que muitas das produções contemporâneas. Também, pudera: em tempos instagramáveis, ver pessoas simples, tocando suas vidas longe de smartphones e realidades pré-fabricadas, como ocorre na bucólica Twin Peaks, acaba se tornando tão atrativo e instigante quanto qualquer reality-show de celebridades ou lives de influencers digitais, que tanto se espalham pela internet mundo afora. É como dizia o Victor Heringer: nem sempre as coisas relevantes vêm do Vale do Silício. Às vezes, o avanço está lá atrás.