(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno

ChatGPT – Joio ou trigo?

(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno
Poucos assuntos vêm chamando tanto a atenção na internet quanto o ChatGPT, ferramenta de Inteligência Artificial (IA) que está bombando entre os internautas. Afinal, basta digitar um tema para ele logo produzir um conteúdo completo para o usuário, fazendo, em poucos segundos, o que muita gente levaria horas diante do computador. Muitos deles, aliás, aproveitaram a ferramenta para uma finalidade diferente: “trollar” algum conhecido e forjar alguma pilhéria… O Doutor em Economia Pedro Fernando Nery, no entanto, foi além: em sua coluna no Estadão, produziu metade do texto utilizando o ChatGPT, sem que o leitor desconfiasse. Só no quinto parágrafo revelou a artimanha, a fim de chamar a atenção para o avanço da IA. Mas, a bem da verdade, a tarefa não seria de todo difícil. Afinal, o ChatGPT foi projetado com base em 570 GB de textos disponíveis na internet, que está repleta de conteúdos relativos à Inteligência Artificial. Isso significa que, para conteúdos autômatos, produções em massa, assistentes virtuais e demais ferramentas, o ChatGPT pode cair como uma luva. Mas, para quem busca distinção e originalidade, com maior carga informacional e linguística, nem é preciso dizer que o buraco fica mais embaixo. Tanto que, no mês passado, justamente quando a ferramenta ganhou mais alarde, um conhecido vinha me falar sobre Nelson Rodrigues, de quem acabara de ler “A Menina Sem Estrela”, o melhor volume do pernambucano e, também, o mais autobiográfico. Hora ou outra, aliás, vejo alguém pasmo com esse livro. Também, pudera: além de ser uma das melhores obras já escritas em português (na opinião de Otto Lara Resende), ela pode ser vista quase como uma radiografia da alma brasileira, já que o grande personagem de Nelson, no fundo, é o comportamento humano, o qual ele enxergava como ninguém, pelo buraco da fechadura. Isso tudo, vale lembrar, trazendo o eterno e inconfundível estilo rodrigueano, repleto de tiradas únicas e adjetivos singulares, que tanto o caracterizaram. Sendo assim, não resisti a comentar com o amigo, que continuava pasmo com o talento de Nelson: gostaria de ver a inteligência artificial deixar de ser abastecida pelo generalismo da web para priorizar as memórias rodrigueanas, os ensaios de Paulo Mendes Campos, os passeios da ilha Drummondiana, o itinerário bandeiriano, as confissões de Lêdo Ivo, entre outras pérolas que passam bem longe das big techs. Aí sim a brincadeira ficaria interessante! Mas, enquanto isso não acontece, fico aqui às voltas com a prosa de Victor Heringer, romancista morto precocemente, mas que deixou uma das obras (e linguagens) mais sofisticadas da produção cultural brasileira da última década. Ao me embrenhar em janeiro na coletânea “Vida Desinteressante”, editada pela Companhia das Letras, fiquei surpreso ao ver o estilo tão característico de Victor, espraiando-se numa prosa rica e sofisticada, uma mistura improvável de Manuel Bandeira, Machado de Assis, Oswald de Andrade, Carlos Drummond de Andrade e Hilda Hilst – como tão bem ressaltaram seus críticos – para legar-nos crônicas tão surpreendentes quanto interessantes, indo muito além do que sugeriria o livro. Mas nem poderia ser diferente. Os textos de Victor são o fino da bossa, o crème de la crème, um verdadeiro caldo de cultura, tamanha poesia e originalidade. Já o resto, amigos, é massa amorfa. Se espremida, não fica nem o bagaço.