E o Twitter, hein?

(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno

E o Twitter, hein?Vejam vocês que nem só de antiguidades vive esta coluna. Não faz muito tempo, um conhecido me sugeriu escrever sobre o Twitter, o “esgoto da internet”, segundo ele e muitos outros usuários. Respondi que seria impossível. Afinal, como escrever sobre o Twitter utilizando menos de 280 caracteres? Era uma brincadeira, evidentemente, já que – até o momento – é este o limite para cada postagem feita na plataforma.

O fato é que, apesar de o Twitter estar passando por inúmeras transformações após sua aquisição pelo bilionário Elon Musk (que, por si só, já vem criando inúmeras polêmicas), sua essência não será de todo alterada – e nem me refiro ao propalado ódio pelo qual a rede ficou conhecida, mas à própria característica da concisão textual, que é muito mais difícil de se alcançar do que sonha a vã filosofia.

Sempre achei graça, por exemplo, quando via analistas de internet se referindo à “objetividade” do Twitter, como se escrever menos fosse algo, necessariamente, positivo. Esqueciam-se, esses incautos, a eterna lição de Aristóteles: só é possível resumir bem um assunto após dominá-lo na totalidade. Fico imaginando, então, como ficará a rede quando Musk liberar a postagem de textos maiores, novidade que já animou boa parte dos twitteiros.

Nessas horas, só consigo pensar no grande crítico Álvaro Lins, quando abordava os escritores com ideias gordas e palavras magras, fazendo a distinção necessária entre quem construía uma enorme teia de sentidos lapidando a linguagem e aqueles que nada tinham a dizer, mas se esparramavam em páginas e páginas de falsa literatura.

É impossível, nesse contexto, não citar Graciliano Ramos, talvez o escritor mais conciso da literatura brasileira, capaz de, em poucas páginas, transmitir um emaranhado de significados densos e profundos que outros escritores jamais conseguiriam – após, evidentemente, passar por um longo processo de depuração, muito mais demorado do que deletar alguns caracteres pelo celular.

Aliás, por falar em Graciliano, imagino como ele não se comportaria dentro do Twitter. O célebre escritor alagoano certamente se espantaria com a velocidade pela qual os usuários decretam certezas, espalham narrativas, para logo se engalfinhar com outros usuários, abrindo outro leque de comentários, gerando novas hordas de discussões, que levam a mais e mais desinformação, fazendo o Twitter manter o seu eterno status de fossa virtual.

Basta lembrar que Graciliano quase deixou de escrever suas Memórias do Cárcere pelo mero temor da imprecisão, já que não possuía nenhuma anotação sobre a experiência no presídio. “Coisas que julguei verdadeiras podiam não ser verossímeis”, dizia ele. “Em conversa ouvida na rua, a ausência de algumas sílabas me levou a conclusão falsa – e involuntariamente criei um boato. Estarei mentindo? Julgo que não. Enquanto não se reconstituírem as sílabas perdidas, o meu boato, se não for absurdo, permanece e é possível que esses sons tenham sido eliminados por brigarem com o resto do discurso (…) Onde estará o erro?”.

Imagino como Graciliano reagiria ao ver uma timeline do Twitter. Talvez ficasse espantado não tanto pelas palavras, mas pela profusão de ideias raquíticas, tão magras quanto às personagens de “Vidas Secas” – título, aliás, que parece definir muito bem o universo habitado pelo famoso passarinho azul.

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