(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br
Confesso que temia soar repetitivo, mas nosso caro Humberto Werneck sempre me redime quando falo em Drummond. Afinal, como lembra o estimado cronista, é difícil encontrar alguma situação da vida à qual o poeta mineiro não tenha deixado um verso ou um pensamento lapidar. Pois foi justamente Drummond que me veio à cabeça quando percorri alguns consultórios médicos para colaborar nesta edição especial dedicada à classe.
O motivo é que, entre uma sala de espera e outra, vendo os mais diversos pacientes, com as mais distintas comorbidades, detive-me a contemplar esses locais e notei que “tantos pisavam aquele chão que ele talvez um dia se humanizasse”, parafraseando Drummond, em sua clássica “Contemplação no Banco”.
Ali, em seu claro enigma existencial, o poeta relatava a frieza que o tomara de assalto em um momento burocrático da vida, em plena agência bancária. “O coração pulverizado range, sob o peso nervoso ou retardado ou tímido, que não deixa marca na alameda, mas deixa essa estampa vaga no ar, e uma angústia em mim, espiralante”.
Eu não estava em um banco, como o poeta estava, mas o verso caía como uma luva naqueles recintos. Isso porque, apesar do esforço e da dedicação de tantos colaboradores para tornar agradável um ambiente dedicado à saúde, a verdade é que um consultório ou uma clínica significam, para muitas pessoas, apenas o cumprimento de um dever necessário ou urgente, às vezes com leveza, às vezes não. Daí a curiosidade de reparar aquelas mesmas decorações assépticas, sob um chão frequentemente visitado por centenas de pés todos os dias e, como Drummond, imaginar aqueles pisos absorvendo a áurea humana ali presente, a ponto de humanizar-se também, por osmose.
Mas eis que lembrei o óbvio: em que pese a formalidade de um hospital ou de uma clínica, o fato é que o verso de Drummond realmente fazia sentido nesses locais, por reunir tantas pessoas visitando seus médicos de preferência, buscando neles não apenas a cura de uma doença ou a solução definitiva ou temporal para um desconforto, mas, acima de tudo, um acolhimento, um entendimento, um ombro amigo, mesmo longe do conforto do lar.
Nesse contexto, logo me vieram à cabeça os tocantes relatos que já presenciei ou ouvi, ao longo de tantos anos de Mania de Saúde. Foram eles que serviram de norte para o caderno especial que preparamos para o Dia do Médico, demonstrando como a medicina humanizada pregada por tantos profissionais não fica só na palavra: é prática diária de empatia e compromisso com o outro.
Basta, por exemplo, citar o trabalho da Insalus, que temos acompanhado todos os meses, vendo como a relação entre médico e paciente pode ser muito maior do que reza qualquer cartilha profissional. Ou, para ser mais preciso, o relato que colhi do Dr. Márcio Barreto Moreira, que nos contou sua história de superação, a qual sou pessoalmente grato por tanta sabedoria e ensinamento, só para citar uma dentre tantas histórias, das quais muitas nem caberiam neste exemplar.
Que neste Dia do Médico possamos então nos inspirar em tantos exemplos de empatia e altruísmo e, como Drummond, ver o gelo se quebrar, a burocracia se desfazer – ou a frieza de um hospital ruir – para dar lugar ao humanismo inerente à prática médica, que para muitos significa não apenas a manutenção da própria vida, como também, quem sabe, a metáfora que enfim consagra a abolição da morte. E, a todos eles, o nosso mais sincero parabéns!