(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno

O desatino da rapaziada

(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br

Sthevo Damaceno
Pois vejam vocês que, novamente, e sem causar muito alarde, esqueci de abordar mais detalhes sobre a história de nosso mensário, na edição passada. Mas não faz mal: o essencial lá está, como diria o Saramago. Estranha sensação essa, a de ter uma memória tão precária, mesmo anotando tudo o tempo todo… Nessas horas, sinto inveja do personagem Dante, de “O Encontro Marcado”, de Fernando Sabino. O motivo é que, quando jovem, para provar sua memória extraordinária, perguntaram a ele: “Dante, qual é o melhor alimento, na sua opinião?”. “Ovos”, respondeu ele. Muitos anos depois, já homem-feito, de supetão lhe perguntaram: “Como?”. Ao que Dante respondeu, peremptoriamente: “fritos”. Que figura! Aliás, o Fernando Sabino detém uma verdadeira coleção de histórias dessa natureza, uma verdadeira miríade de desencontros, esquecimentos, confusões e atritos. Nada mais justo, é claro, tendo sido ele um “potencial desencadeador de equívocos”, como cunhava seu amigo Paulo Mendes Campos. Em uma dessas ocasiões, por exemplo, Sabino viajara de trem a Belo Horizonte, tendo saído de São Paulo, onde visitara o escritor Mário de Andrade. Na estação, encontrou outro colega de profissão, o crítico Alceu Amoroso Lima, que pegaria o mesmo trem. Depois de viajarem juntos, com muitas horas de conversa, chegara a hora de Sabino desembarcar, enquanto Alceu já se encontrava dormindo. No que Fernando pega um travesseiro, acomoda o amigo no leito, deixa um bilhete de despedida na mala e se vai. Muitos encontros posteriores com Alceu, contudo, provocaram estranheza em Sabino, já que o crítico nada mencionara do bilhete deixado por ele dentro da mala. Até que, 20 anos depois, ao se encontrarem na capital mineira, Fernando enfim se lembra de comentar o episódio. Como Alceu parecia portar a mesma mala de duas décadas antes, abriu a bolsinha correspondente e, para assombro de ambos, como num passe de mágica, retira um cartão amarelado pelo tempo e com marcas de ferrugem do fecho, “com as palavras de despedida escritas pelo jovem que eu tinha sido vinte anos antes”, como revelou Fernando na sua deliciosa autobiografia, “O tabuleiro de damas”. Aliás, por falar em Sabino, há alguns dias recebi um comentário interessante de um leitor, comentando que este espaço vinha preservando o nome dos bons cronistas de Minas, por estar sempre citando obras de Drummond, Sabino, Paulo Mendes Campos, entre outros. Trata-se de um exagero, evidentemente: manter essa turma na memória deveria ser, antes de tudo, um hábito de todo bom leitor ou, mais ainda, de todos que lidam com a escrita. Lembro até do nosso amigo Dr. Rafael Chácar fazendo alusão à história do Otto Lara Resende, que aqui publicamos certa vez, como algo a ser lido com interesse e prazer, justamente em um tempo tão carente de literatura. A propósito, já está quase virando raridade o excelente “O desatino da rapaziada”, do mineiro Humberto Werneck, que conta como se forjou todo esse timaço de jornalistas, poetas, cronistas e ficcionistas em Minas Gerais ao longo do século XX, trazendo histórias mais do que saborosas de cada um desses grandes escritores, cujo trabalho inseriu Minas Gerais, mais uma vez, no mais alto patamar literário de nosso país. Em 2022, o livro fará 30 anos, uma boa deixa para uma reedição – muito embora ainda se encontre algumas delas por aí, aguardando a leitura da rapaziada. Isso se não houver nenhum desatino, é claro!