(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
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Sthevo Damaceno

Todo homem precisa de uma mãe

Todos os anos, quando chega o mês das mães, anunciando a data comemorativa que sempre movimentou o comércio (e que, agora, alimenta as redes sociais), sou tomado por um processo regressivo, nitidamente proustiano, que me remete como nunca ao início da vida de leitor.
É que maio, para a tradição poética brasileira, carrega um simbolismo próprio, totalmente peculiar, desde que nos debrucemos sobre a nossa (tão rica) lírica com um mínimo de desprendimento. Afinal, não foram poucos os que cantaram o quinto mês do ano para eternizá-lo em páginas de alta literatura.
Se abril é o mais cruel dos meses, como versou o estrangeiro T. S. Eliot, por exemplo, maio é o mês de noites esplêndidas e de tardes comoventes, se lembrarmos de Castro Alves e Carlos Drummond de Andrade, que cravaram dois poemas definitivos para o mês marcado pelo outono. Isso sem falar na crônica de Paulo Mendes Campos e dos versos livres de Ferreira Gullar. Para eles, nada parecia ser mais belo do que o Rio de Janeiro… em maio.
Apesar de o interesse por este mês em específico ser grande entre os escritores, porém, é curioso notar que a figura materna, tão celebrada no mês de maio, não tenha virado um tema cativo de nossos poetas e prosadores, que o fizeram apenas de forma esporádica e passageira. O que não impede, evidentemente, a existência de algumas cenas memoráveis entre eles e as próprias mães.
O já citado Drummond, por exemplo, é, até hoje, lembrado como um dos escritores mais sérios e reclusos de nossa história. Mesmo sendo autor de crônicas muito bem-humoradas, a figura do poeta contradizia o que ele escrevia: sua timidez e reclusão afastava muitas pessoas e seu olhar podia ser fulminante para quem ousasse uma aproximação indevida, fazendo o itabirano ter tomado – com razão – a pecha de “esfinge”.
Sendo assim, quem via aquele senhor excessivamente sério, circunspecto, ocupando a mais alta paragem da literatura, talvez o maior gigante das nossas letras no século XX, jamais imaginaria que um dos maiores prazeres da vida do poeta ao ir à Minas era… visitar sua mãe e passar horas deitado no colo dela, com seu indefectível terno e gravata, em total silêncio. Dá para imaginar o Drummond das fotografias escolares protagonizando uma cena dessas, no alto de sua maturidade?
A música brasileira, vale lembrar, também não fica muito para trás nesse quesito. Dia desses, por exemplo, me deparei com uma entrevista onde Humberto Gessinger revelava ter recebido centenas de agradecimentos ao longo dos anos pela sua “Terra de Gigantes”, cuja letra quase se assemelha a uma carta afetuosa à própria genitora. “Hey mãe, eu tenho uma guitarra elétrica…”. Questionado quanto ao sucesso da canção, Humberto lembrou de um amigo, que lhe disse: “essa música estourou porque todo mundo tem ou teve uma mãe”.
Quando Caetano Veloso fez seu ofertório, em 2018, ao lado dos seus filhos, o Brasil se enterneceu com uma canção específica, que ecoou bastante nas rádios: “Todo Homem”, escrita por Zeca Veloso, trazia acordes simples e melancólicos, com um canto quase infantil, justamente para lembrar uma verdade ancestral, estampada no refrão: “todo homem precisa de uma mãe”.
Se fosse um manifesto, eu assinaria embaixo.