Alcoolismo: Quando um hábito vira doença

A médica psiquiatra Dra. Lana Maria Pereira, da Clínica Vila Verde
"...ela não aceita, não se vê como pessoas que são alcoolistas..."
O alcoolismo é uma doença crônica que atinge mais homens do que mulheres em todo o mundo. Mas o cenário passa por mudanças e, de acordo com profissionais do setor, isso precisa ser amplamente debatido e priorizado nas questões de saúde da população. O dia 18 de fevereiro, por exemplo, é lembrado como o Dia Nacional do Combate ao Alcoolismo. Nossa reportagem aproveitou a ocasião para conversar com a médica psiquiatra Dra. Lana Maria Pereira, da Clínica Vila Verde. Perguntamos a ela, do ponto de vista médico, quando podemos dizer que uma pessoa é alcoólatra. “A primeira coisa é não usar o termo ‘alcoólatra’ e sim ‘alcoolista’. Desde 1967 a Organização Mundial da Saúde considera o alcoolismo uma doença e há a necessidade de enfrentarmos esse problema como um caso de saúde pública severo. Podemos considerar como uma doença crônica, que tem como caraterística a compulsão pelo álcool, ou seja, o indivíduo tem a clara noção de o quanto a bebida compromete a sua vida em vários aspectos, inclusive na sua relação familiar, e, ainda assim, ele não consegue parar o uso. Ele apresenta uma tolerância ao uso do álcool, e, por esta razão, tende a aumentar cada vez mais as doses e reduzir o tempo entre uma dose e outra. Quando, por alguma razão, há a suspensão ou a redução do consumo, ele desenvolve sinais e sintomas de abstinência, com quadros que apresentam desconforto físico e psíquico. Neste caso, nós temos a dependência química. Mas é preciso considerar o uso nocivo, que muitas vezes passa despercebido até pelos profissionais de saúde. O uso nocivo é o indivíduo que bebe, tem claro déficit na saúde, mas não entende que está iniciando um consumo que lhe provoca muitos problemas e gera, ao longo do tempo, uma possível dependência. Desde que o alcoolismo passou a ser considerado uma doença, a gente entende que existem várias etapas. No início a pessoa bebe com flexibilidade de horário, de quantidade e de tipo de bebida. Com o tempo, ela passa a beber com mais frequência, consumindo todos os dias e em quantidades crescentes. Deixa de se importar com o fato de que está sendo inadequada e começa a consumir compulsivamente. Após esse período, há uma tentativa de priorizar o ato de beber. Por exemplo, o indivíduo não se preocupa com o fato de que vai dirigir, que vai para o trabalho. A bebida passa a ser a coisa mais importante da vida dele. E aí vem os sintomas de abstinência e ele percebe que, quando bebe, esses sintomas melhoram, criando um ciclo”, afirma a médica. Outra dúvida é se existe um fator genético para o alcoolismo. “Alguns estudos dizem que sim, o alcoolismo pode ser genético. A relação do álcool com a genética deve ser avaliada do ponto de vista científico. Existe um estudo de pesquisadores de Nova York, nos EUA, que afirma que a tendência ao alcoolismo pode chegar a 50% em filhos de pais alcoolistas. A gente tem que levar em conta ainda que o ambiente e o estilo de vida podem proporcionar o uso do álcool, como qualquer droga”, destaca a psiquiatra, que prossegue explicando o que se deve fazer quando se percebe que o álcool virou um vício. “A questão é que, mesmo quando a pessoa percebe isso, ela deve ter o entendimento para buscar tratamento. Muitas vezes, ela não aceita, não se vê como pessoas que são alcoolistas. Para tratar este vício, a primeira coisa é buscar os profissionais de saúde. Inicialmente, a psiquiatria e a psicologia. Depois, pode-se procurar os Centros de Atenção Psicossocial para álcool e drogas. Dependendo do caso, buscar a internação em hospital adequado ou clínicas próprias para que o indivíduo fique abstinente e saia de lá em condições de voltar ao convívio social sem que o álcool seja um problema. O tratamento em geral está fundamentado em vários pilares e varia de acordo com cada caso. Pode-se fazer acompanhamento com psicólogo, com medicamentos para tentar reduzir a ansiedade e o desejo de usar o álcool e até mesmo a internação, como mencionei anteriormente. É importante também fazer exames para ver o quanto o álcool comprometeu partes do corpo, como o fígado e o cérebro”.