Vinicius de Moraes dizia que a vida é a arte do encontro. O poeta sabia das coisas. Afinal, era um dos poucos que cultivava a amizade pela amizade, a ponto de colecionar uma invejável miríade de amigos e dedicar-se a cada um deles com o desprendimento de um verdadeiro “mártir da delicadeza”. Seria interessante ouvir a opinião de Vinicius no mundo de hoje, onde uma postura como essa, decerto, seria encarada como inocência ou extravagância, em contraste com antigamente. Um chavão, é claro, mas que não deixa de ser verdade.
Por exemplo: abro os excelentes diários do escritor Josué Montello, publicados em edição luxuosa da Nova Aguilar, e, apesar de conter inúmeras reflexões valiosas sobre o seu ofício, o que sobressai ao longo do volume, na verdade, é uma profusão de encontros memoráveis com os mais variados escritores ao longo da vida de Montello. O maranhense construiu uma rede tão grande de afetos, que cada um deles transcendeu o cotidiano banal do dia a dia e adentrou a eternidade por meio de suas páginas.
Mas, como nem todos conseguem ser Montellos e espraiar suas vivências em páginas de alta literatura, resta a memória para servir de abrigo e refúgio aos nossos afetos – ou aos nossos mortos. Embora, às vezes, ela seja insuficiente para eternizar aqueles que depositam, em nós, um pouco de sua fé.
Dia desses, me vi lembrando de um grande amigo de família, o Juca Araújo, mineiro de Barroso, que conviveu com meu pai quando este tinha a minha idade atual. Desde que me entendo por gente, lembro do meu velho falando do seu amigo Juquinha, que se tornou quase um personagem mítico em nosso meio familiar, pela quantidade de histórias em seu entorno. Até que um dia, enfim, o conheci e vi que a fama era merecida. Figura humana das mais queridas e lendárias, Juca parecia encarnar toda a juventude desprendida que pairava sobre suas Gerais, onde contextos afetivos e artísticos, como o Clube da Esquina, pareciam ser a melhor definição para sua personalidade.
Certa vez, ele apareceu em nossa casa para passar alguns dias e, como era adolescente, com tempo mais do que disponível, tornei-me a companhia dele na maior parte do tempo. Foram, sem dúvidas, dias incríveis em minha pacata vida de interior. Tanto que, mesmo tendo passado mais de uma década após aquele encontro, ainda lembro dele com bastante regularidade, embora nunca mais tenha encontrado Juca desde então, excetuando as ligações telefônicas ocasionais, em datas festivas e coisas dessa natureza. O que era uma heresia, aliás, visto que Juca era um artista do encontro, um artesão na arte da amizade, da qual deixou imensas saudades em sua partida, como atestou a comoção de muitos em sua terra natal.
O fato é que, não faz muito tempo, tive a oportunidade de vê-lo (fazia 15 anos do nosso último encontro, acho), mas, por mero desleixo, acabei não indo, absorto em afazeres mínimos do dia a dia que, hoje, vejo quão dispensáveis eram. Mas quem não passa por isso ao longo da vida, não é mesmo?
Eis que, ainda hoje, vez ou outra me vejo pensando na oportunidade perdida de encontrar meu amigo Juca, de quem certamente traria novas histórias, lendas e risadas para compor com mais um pouco de tinta esse quadro afetuoso que olharemos, comovido, “na hora última” descrita pelos poetas.
É chavão, mas é verdade: não deixemos para depois aquela visita prometida, o amigo não procurado, o perdão não resolvido. A vida é, de fato, a arte do encontro.