A obesidade das palavras faz mal?

Meses atrás, o professor e ensaísta Rodrigo Gurgel lembrou de uma importante distinção, relativa ao mundo da leitura, que parece ilustrar muito bem o espírito do tempo em que vivemos. Ele dizia – parafraseando o saudoso Álvaro Lins – que apesar de sermos bombardeados pelos mais diferentes tipos de textos, pelos mais diversos meios de comunicação, eles muitas vezes não seguem o equilíbrio básico entre forma e conteúdo, sendo assim “magros de ideias e gordos de palavras”.

Diante disso, nós, leitores e consumidores de informação, vamos ficando cada dia mais mal-acostumados com leituras insípidas, nada informativas, que parecem mais ludibriar nossa atenção do que, de fato, premiá-la com o prazer do texto, enriquecendo-a com bons conteúdos.

Para tornar ainda mais claro o raciocínio, Rodrigo citava autores distintos como Henry James e Ernest Hemingway, dois grandes prosadores de língua inglesa que, embora tivessem estilos totalmente diferentes, seguiam o mesmo equilíbrio textual, a fim de beneficiar o leitor.

Por exemplo: apesar de ser um escritor prolífico, substancioso, espraiando sua prosa em várias e várias páginas, Henry James era um autor gordo, quase obeso de ideias, o que criava uma harmonia perfeita em seus livros, pois a quantidade de palavras correspondia perfeitamente ao número de ideias retratadas por elas. Hemingway, contudo, era um autor declaradamente magro de palavras, quase raquítico. Sua obra mais famosa, “O velho e o mar”, por exemplo, nem chega às 150 páginas… Mas isso também não o impedia de ser gordíssimo de ideias: é que, em Hemingway, as palavras apenas se concentravam, coaguladas pela sua fome de síntese, explodindo grandes histórias na imaginação do leitor.

Algo muito distante, convenhamos, não apenas de boa parte da literatura atual, mas de qualquer conteúdo escrito que lemos diariamente, sobretudo em sites de notícias, blogs de artigos ou mesmo landing pages que tentam nos empurrar conteúdos vazios, mas que escrevem, escrevem e nada dizem. A praga contemporânea, para parafrasear Gurgel, parece vir do abuso da retórica, de esbarrarmos sempre em textos gordos de palavras, mas raquíticos de ideias, causando um desequilíbrio totalmente nocivo aos leitores.

Ter essa distinção em mente nos ajuda não apenas a valorizarmos os bons conteúdos como, também, a combater alguns chavões criados pelo senso comum, que nada mais é do que um recorte superficial da realidade. Quantas vezes, por exemplo, você já ouviu alguém reclamar de um “textão”? Pois foi um “textão” de mais de 6 mil palavras, com 43 pessoas entrevistadas, que parou a internet em dezembro, quando a revista Piauí liberou uma reportagem de João Batista Jr. sobre o humorista Marcius Melhem. O trabalho, exaustivo, foi elogiado em peso nas redes sociais – curiosamente, até por figuras conhecidas de esquerda e de direita, que sempre costumam digladiar sobre o conteúdo da revista, famosa por investir em reportagens extensas, ciente de que o bom conteúdo, independentemente do meio, prende a atenção do leitor.

Isso vai de encontro à pesquisa que o Mania de Saúde vem divulgando, nos últimos meses, feita pela empresa alemã Score Media, para quem as pessoas não realizam outra atividade enquanto leem jornal. O que é compreensível. Afinal, rolar timelines pelo smartphone, sem esbarrar em conteúdos verdadeiramente informativos, tornando-nos reféns de landing pages que nada dizem e apenas tentam nos empurrar algum produto, realmente não acrescenta muita coisa.

Até porque, parafraseando Gurgel e Lins, o formato do texto e da informação em si não importa muito. Basta que ele seja gordo de ideias, não é mesmo?

(*) Sthevo Damaceno é jornalista e
editor do jornal Mania de Saúde.
sthevodamaceno@maniadesaude.com.br