A pandemia da Covid-19 provocou mudanças significativas na vida de todo mundo. Mas a maior delas, sem dúvidas, está relacionada ao bem-estar mental das pessoas. Para abordar como elas têm passado pela quarentena, o Mania de Saúde entrevistou a médica psiquiatra Dra. Laura Damian, formada em Medicina pela Faculdade de Medicina de Campos e em Psiquiatria pela Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, com Título de Especialista em Psiquiatria pela Associação Brasileira de Psiquiatria e Associação Médica do Brasil, além de membro titular da APERJ e ABP, tendo capacitação ao atendimento psiquiátrico em todas as faixas etárias, atendendo crianças, adolescentes, adultos e idosos.
Mania de Saúde – Estamos passando por um dos períodos mais complexos da história da humanidade. Como ele tem repercutido na saúde mental das pessoas?
Dra. Laura Damian – Estamos vivenciando um momento de muitas incertezas e expectativas concomitante a um isolamento social, que gera o aumento do estresse e da angústia. Nesse contexto é natural haver uma piora do quadro psiquiátrico de quem já convivia com transtornos mentais. Há um aumento da irritabilidade que tem se refletido na crescente briga entre casais e na violência doméstica. Houve um aumento acentuado no abuso de substâncias, como o álcool e na compulsão alimentar. Pessoas que nunca apresentaram problemas emocionais podem desenvolver transtornos psiquiátricos motivados pela alteração repentina da rotina, medo do contágio e adoecimento, medo da perda de entes queridos, instabilidade econômica e a imprevisibilidade de quanto tempo tudo isso irá durar. Esse contexto pode resultar em um estresse acentuado capaz de causar alterações neuroendócrinas que geram sintomas como aperto no peito, palpitação, falta de ar, tristeza e insônia. Essas alterações neuroendócrinas e os sintomas podem se tornar crônicos, evoluindo para transtornos ansiosos e depressivos. Estudos apontam que os casos de depressão dobraram e os de ansiedade aumentaram em torno de 80%.
Mania de Saúde – Um dos públicos mais sensíveis, sem dúvidas, são as crianças. Como elas têm sofrido com os efeitos da pandemia e a mudança de rotina em casa? Existe algum problema que está se evidenciando e, muitas vezes, os pais nem percebem?
Dra. Laura Damian – As crianças e os adolescentes neste momento se deparam com situações que geram sofrimento. A limitação de não poder ir e vir, a restrição do espaço, não poder encontrar os amigos, a interrupção do ensino presencial, a percepção de que seus pais estão ansiosos, preocupados e irritados, são situações que geram estresse. O cérebro de cada criança é diferente e reconhecerá as informações recebidas de forma particular. Surgirão pensamentos e emoções como sinais do estresse, que serão transmitidos de forma direta (medo, insegurança) ou indireta (irritação, insônia). Os transtornos, como a ansiedade e a depressão, surgem a partir desse estresse e podem se evidenciar já na infância ou anos após a ocorrência da situação estressora. É importante aos pais estarem atentos a mudanças no comportamento das crianças como o aparecimento de agressividade, inquietação, agitação, tendência ao isolamento, choros, perda ou aumento do apetite, presença de medos infundados, pesadelos, alteração no padrão do sono e aspectos regredidos de comportamento (como chupar os dedos, enurese e encoprese). Os pais devem conversar e acolher seus filhos, transmitindo segurança e explicando o que está acontecendo de uma maneira adequada a cada faixa etária.
Mania de Saúde – Que tipo de atenção se deve ter em relação à saúde mental das crianças menores? Qual sua dica para os pais que, por ventura, não estejam tão inteirados do assunto?
Dra. Laura Damian – Para que os bebês e as crianças menores tenham um desenvolvimento saudável é importante que elas sejam estimuladas. Com o isolamento social é natural que eles tenham contato apenas com pessoas mais próximas, como os pais. Essas crianças acabam sendo privadas de passear, da relação com os avós e da interação com outras crianças que é extremamente importante para o desenvolvimento de habilidades, o que pode trazer atrasos na fala ou fazer essas crianças terem mais dificuldade de interação com pessoas estranhas. É de extrema importância que os pais e cuidadores redobrem os estímulos, estejam mais presentes e incentivem mais assertivamente as crianças nesse momento para que as restrições próprias desse tempo não interfiram no seu desenvolvimento neurológico e emocional.
Mania de Saúde – Algum recado a mais?
Dra. Laura Damian – Os momentos de dificuldade sempre são boas oportunidades para nos conhecermos e melhorarmos como pessoas. A dificuldade nos faz perceber que somos fortes e que muitos valores e prioridades precisam ser repensados. Enquanto a solução para essa pandemia não vem, devemos manter uma rotina de hábitos saudáveis, com sono regularizado, alimentação equilibrada, estar em contato com as pessoas que amamos (mesmo que seja virtual), fazer atividade física e nos ocupar com atividades que nos fazem bem. Acho que esse é um momento propício a sonhar com os novos dias que virão. Quando a gente se apega a um sonho ou a algo bom nós temos mais forças para vencer as dificuldades.