Rir é o melhor remédio

Meu amigo Rogério foi quem me alertou, dias atrás, para a necessidade de contar boas histórias, relembrar velhos “causos”, para aliviar um pouco a tensão desses dias estranhos. Eis que me lembrei de dois deles. Peço licença para contá-los.

O primeiro é de um conhecido que trabalha há alguns anos no centro da cidade, mas que, na minha juventude, ainda residia em Italva, minha terra natal. Naqueles tempos, meu irmão já era um jovem adulto, enquanto eu mal entrara no ensino médio. Foi esta a imagem que este senhor conservou de nós quando veio para Campos, desaparecendo totalmente de nosso convívio.

Porém, anos depois, quando mudei-me para cá, passei a encontrá-lo regularmente. Mas o tempo já decorrido causou-lhe uma grande confusão: ele só me tratava pelo nome do meu irmão, por ter conservado, na memória, a imagem dele como o jovem adulto que agora eu era. Todas as vezes em que nos víamos, iniciava-se a confusão:

– E aí Gabriel, como vai o seu pai?

– Vai muito bem, sempre pergunta por você…

– Mande um abraço!

Achando graça dessas ocasiões, que passaram a ser rotineiras, evitei negar que eu não era o meu irmão. Muito menos revelei meu verdadeiro nome. Sou lá de mexer com a memória dos outros? No entanto, depois que meu pai teve conhecimento dessa minha molecagem, ralhou comigo:

– Explique quem é você, meu filho. Pare com isso…

– Que nada! Um dia eu conto.

Até que, passado alguns anos, mantendo os mesmos cumprimentos, o velho amigo da família me parou de novo, desta vez com mais tempo e, novamente, as saudações familiares:

– Como vai seu pai e sua mãe, estão bem?

– Sim, claro.

– E… aquele seu irmão mais novo? Deve ter crescido, não?

– Larga aquela anta! É um moleque. Só serve para me causar problema… Não gosto nem de vê-lo, se não parto para a ignorância.

Assustado, o velho amigo tentou colocar os panos quentes na briga imaginária:

– Que isso, Gabriel! Não fale assim do seu irmão… Isso não se faz. Tá maluco?

– Ainda arrebento a cara dele!

– Meu Deus…

Foi impossível não cair na risada. Desisti da brincadeira e fiz uma chamada de vídeo para o meu pai, que enfim contou ao amigo a história toda.

– Esse disgramado está há anos se passando pelo irmão dele e não me fala nada?! Nunca ia me lembrar que aquele molequinho ia estar grande desse jeito…

– Pois é, o tempo voa. E, cá entre nós: é uma honra ser confundido com meu mano…

(Desconfio que a explicação não tenha surtido efeito, porque o amigo passou uns dias meio cabreiro comigo).

Mas não mais que algumas pessoas do centro, tempos atrás, quando pensei ter avistado meu amigo Rogério – aquele mesmo, do início da crônica.

Carregando o apelido de “Ladrão” desde a infância, por sempre ganhar todas os jogos e brincadeiras de rua, esqueci do peso negativo dessa alcunha e tentei chamá-lo para que viesse ao meu encontro:

– Ladrão! Ô Ladrão, aqui. Ladrão, meu filho…

Ele não me ouviu, nem me viu. Mas, quando olhei para o lado, notei o estrago: uma quantidade considerável de pessoas olhando para os lados, amedrontadas, além de um guarda, vindo falar comigo para tirar a limpo aquela história.

Mas até explicar que balde de gari não era garibaldi… Eu não tinha nem meu irmão para me salvar!